fbpx
Pular para o conteúdo

Rascunhos da Vida: É CARNAVAL

Image
Retirado do site: https://www.pexels.com/pt-br/foto/brasil-carnaval-parque-de-diversoes-celebracao-9211780/

Contos da rua Alagoas

Capítulo 5

É CARNAVAL

Retirado do site: https://www.pexels.com/pt-br/foto/brasil-carnaval-parque-de-diversoes-celebracao-9211780/

Carnaval é uma data engraçada tem gente que ama, tem gente que odeia. Alguns anseiam por ela o ano todo, esperam o momento exato para poder tirar a poeira dos penachos, das saias adornadas, das vestimentas diferentes, das máscaras, óculos e chapéus excêntricos. Outros mal esperam o escurecer da sexta-feira para poder juntar suas coisas e ir para um local retirado, afastado de todo o tumultuo das ruas superlotadas de Imperatriz dos Ases.

Ribamar e Herculano têm atitudes diferentes. Um adora o carnaval com uma paixão descontrolada, o outro detesta com toda força do seu coração. Para um é uma festa essencial, aguardada e esperada, mas segundo o outro é uma festa abominável que só trás prejuízo a toda uma nação. Bem, não importa a opinião de nenhum dos dois, o Carnaval sempre vai existir, anualmente vai acontecer independente dos prós e dos contras.

Naquele ano Ribamar não estava muito empolgado para o Carnaval, a falta de Ermínia parece ter abatido fortemente em seu coração após pendurar o quadro completado no centro da sala de estar. De longe ele chamava a atenção, especialmente a pena do cocar que parecia sempre estar naquele mesmo lugar. Mesmo assim faxinava a casa juntamente com Juanita, uma moça com o “Jota” com som de “erre”, a qual sempre era contratada por ele para dar uma mão na limpeza da casa.

Juanita ficou fascinada com o quadro, nunca tinha notado a forma como a pena estava nele. Segundo ela a árvore sem folhas e sem sombra era a imagem de um dia ensolarado e que fora pintada em pleno sol a pino. E que o cocar deveria pertencer a um índio que correra para se encontrar com sua amada a fim de terem momentos de prazer nas águas de um ribeiro próximo. Bem essa era a visão dela, para Ribamar era a expressão do coração de Ermínia que não teve a oportunidade de finalizar seus sonhos.

A faxina precisava ser breve, logo, logo Carmem, Carmélia e Caetano entrariam pela porta juntamente com os pimpolhos para pular Carnaval nos dias que viriam. Segundo Alexia, a assistente pessoal de Ribamar, o tempo seria bom nos dias que se seguiriam. Tempo claro, com poucas nuvens e temperatura amena de 32º, algo maravilhoso se comparado à onda de calor do ano passado que chegou a um pico 44º na sombra no ano anterior.

Enquanto isso na casa de Herculano, o pracinha já estava pensativo ao avistar a pracinha que em pouquíssimo tempo seria pisoteada por um monte de “mijadores” sem propósito com suas latinhas de cerveja em mãos e o suor escorrendo pelo pescoço. Para ele o Carnaval simbolizava a destruição de tão bem cuidado patrimônio da cidade, seria possível imaginar aqueles casais se aninhando no meio dos canteiros destruindo as bromélias, amassando os dentes de leão, infertilizando com sêmen e urina as margaridas e os mini girassóis.

Ele olhava com tristeza a bela praça da Matriz e só de imaginar os foliões jogando lixo pelas ruas, os necessitados recolhendo latinhas, moedas e cédulas no meio da bagunça que rola toda manhã durante os quatro dias de folia, seu coração partia. Não sabe como Eleonora gostava daquela bagunça e o fazia vestir de Pirata todos os anos, enquanto ela se tornava uma encantadora arlequina com sua saia rodada de cores vibrantes e o bustiê com lagartas e borboletas cheias de lantejoulas.

As fantasias estavam no armário, no mesmo saco de sempre. Embaladas, lavadas, e com naftalina com cheiro de lavanda no fundo para evitar a aproximação das malditas traças que pareciam ser originárias todas daquela cidade. Parece que Imperatriz dos Ases tinha aquele nome por causa das traças que em pequenos voos saiam de um lado para o outro nos armários das casas da cidade.

A família de Ribamar chegou entusiasmada, os pequeninos abraçavam o vovô com todo vigor. Os filhos observaram o quadro que agora estava completo e exclamaram como papai havia conseguido pintar aquele pena com tanta riqueza de detalhes. O patriarca de Los Pontes não quis dar mais detalhes sobre a conclusão, mas os “meninos” insistiam que ele deveria assinar Ermínia e Ribamar, datando tudo como se fosse 2019. Ele apenas declarava, o autor não está presente, só está aqui o portador da pena.

Após a ceia da sexta-feira foram dormir, pois a folia começaria bem cedinho no sábado, e com certeza ninguém queria perder nada da festa antecessora dos jejuns quaresmais. As fantasias estavam a postos todas expostas na arara que Carmélia havia comprado e que Remilton foi incumbido de montar no quartinho de Ermínia, o refúgio dos foliões.

Remilton sempre foi muito bom com as mãos, com ferramentas de precisão, não é atoa que é considerado um dos melhores cirurgiões cardíacos das Montanhas Mineiras. Há anos é um dos professores de duas renomadas instituições de formação médica, uma federal e outra particular.

Naquela noite, em especial, Ribamar não foi ao coreto no meio da noite, pois no outro dia iria a pracinha saltitar entre os corredores dos canteiros de flores. Mas dormiu alegremente com a cama cheia de netos, que se empoleiravam naquele quarto amplo e aconchegante.

Pela manhã acordou com sede, foi à cozinha e encontrou Caetano finalizando a mesa. Só podia se um nutricionista para pensar em carboidratos, proteínas, derivados do leite e frutas a vontade para que os carnavalescos tivessem energia suficiente para brincar o dia todo. Após todos acordarem, com exceção do pequeno Herick que parecia ter apreciado a cama do vovô.

Caetano pensou em tudo, aprontou uma “Bag” de plástico oxibiodegradável contendo duas frutas para consumo em temperatura ambiente, uma garrafinha de água saborizada com canela, hortelã e abacaxi, dois pequenos croissants e um ovo cozido no ponto 3 da escala de cozimento.

Novamente, enquanto isso na casa de Herculano, ele esperava ansiosamente por Juanita sua atual faxineira, indicação de seu novo amigo Ribamar. Segundo ele, Juanita lembrava muito Eleonora, com seus lábios desiguais, seus seios fartos e pele levemente bronzeada. Ele não gostava das feições astecas de Juanita, mas apreciava a sua fala confusa com palavras hispânicas e portuguesas, bem como a efervescência de seus gestos. Era uma mulher discreta, rápida e de poucas palavras, mas adorava conversar quando convidada a fazê-lo.

Aos sábados, após a contratação de Juanita, Herculano pedia dois marmitex, um para ele praticar o mesmo ritual e um para Juanita que comia quase tudo, já que executava um trabalho exaustivo. Naquele sábado em especial, ela estava mais saltitante, parece que o som da pracinha, com as marchinhas de carnaval faziam com que ela gingasse mais do que o normal.

Na cidade havia dois lugares de concentração carnavalesca. A praça do coreto, onde as famílias tradicionais, os foliões que gostam da brincadeira, todos que querem divertir-se respeitosamente se encontram, e às vezes até dividem o lanche que trazem em abundância. Nesta praça as músicas são muito antigas, fluindo da “Pipa do vovô” a tradicional “Cabeleira do Zezé”, que são executadas no trio elétrico da prefeitura, ou pela banda do coreto que adora alegrar a população.

O outro lugar é no parque do Campo dos Pés de Patos, nome dado ao time que construiu aquele estádio. Lá a música é outra, rola som eletrônico, funk, pancadão, axé, e sertanejo universitário. É um lugar para quem não quer responsabilidade, e onde tudo rola solto, onde a polícia finge não ver e a noite é muito perversa. Diz a boca miúda que quem lá vai volta sem ser ele mesmo. Certamente não é um lugar para se levar a família, mas com certeza é um lugar para dizer que literalmente se tem a “festa da carne” na sua totalidade.

Juanita abre um dos armários para guardar os lençóis e cochas que recolheu no varal, pois Herculano não exigia que fossem passados, diferente da casa de Ribamar onde até os panos de pratos eram passados. Ela se depara com as fantasias de Herculano, as observa e fecha o armário.

Terminada a faxina, e isso já era por volta das quinze horas, Herculano faz o pagamento dando a Juanita o valor acrescido da metade, pois segundo ele era para compensar o trabalho num dia de carnaval.

– “Muchas gracias”. Pero eu e Ramon não iríamos participar. No tenemos fantasia para quedarnos na praça do coreto, e de maneira ninguna queremos ir ao Campo dos Pés de Pato.
– Como assim não tem fantasia? Perguntou espantado.
– Bueno é que la plaza é mui bem frequentada, e os que não están fantasiados nem sempre son bien vistos.
– Espere um pouco, vamos resolver isso.
De um salto correu ao quarto, pegou duas fantasias, a de pirata e a de arlequina. Voltou à sala e entregou a Juanita, entre um começo de lágrima no canto do olho direito.
– Para você e Ramon. Sejam felizes na folia de carnaval.

Juanita não sabia o que dizer, colocou o salário no sutiã, deu um beijo em Herculano e saiu correndo para casa. Herculano sentou-se na varanda meneando a cabeça vez por outra desaprovando a algazarra. Enquanto isso lia em seu Kindle a continuação da “história de alguns meninos de pedra”. De repente olhou para a praça, onde graciosamente um Pirata estendia a mão a uma bela arlequina que descia as escadas rumo ao coreto da pracinha.
Lá na praça estavam Herculano e Eleonora, dançando e saltitando mesmo estando Herculano sentado com os olhos cheios de lágrimas e o coração radiante.