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Sérgio Moro segundo Charles Darwin

Uma boa parte da população mundial não aceita a Teoria da Evolução de Charles Darwin. Dentre os outros habitantes do planeta, no entanto, são poucos os que conhecem os mecanismos de mutação e seleção natural implicados naquela teoria.

Em seu maravilhoso livro O Relojoeiro Cego, Richard Dawkins expõe em minuciosos detalhes todo o envolvimento e a evolução da vida na Terra, de onde tirei um pequeno exemplo que vou tentar resumir aqui.

Suponha que um castor tenha sofrido uma pequeníssima mutação em um dos genes herdados de seus pais, cuja alteração faz com que ele, ao nadar com gravetos na boca, apanhados no fundo de um rio para a construção de um dique, o faça com a cabeça ligeiramente mais elevada que os demais de sua espécie. Essa simples ação faz com que a lama grudada nos gravetos sofra menor ação da água durante o transporte, o que se traduz em maior aderência quando afixada na parede do dique em construção.

Com a melhor aderência a tarefa do castor na construção fica ligeiramente mais fácil, enquanto melhora também a vedação, dificultando a fluição da água entre as frestas da parede do dique. Assim, esse castor que nada com a cabeça ligeiramente mais alta consegue criar diques um pouco mais altos e mais eficientes no represamento da água do rio, formando uma “lagoa” com uma área um pouco maior e com mais profundidade.

Esse castor, então, terá obtido um ligeiro ganho na sua possibilidade de sobrevivência, uma vez que a “lagoa” maior e mais profunda terá criado uma dificuldade adicional a seus eventuais predadores. Ao se acasalar, o gene mutante será repassado a seus descendentes, que também passarão a nadar com a cabeça ligeiramente mais alta, perpetuando o benefício advindo daquela mutação original. Com o transcorrer de muitos e muitos anos, todos os castores estarão nadando com a cabeça ligeiramente mais elevada, pois sua pequeníssima vantagem de sobrevivência terá se tornado dominante.

Essa visão da teoria darwiniana talvez seja mais compreendida, porém a evolução das espécies não acontece apenas por mutações biológicas. Elas podem ocorrer também por fatores culturais. Hoje, por exemplo, a raça humana está sendo submetida a uma verdadeira “seleção” através da influência da tecnologia e do poder do dinheiro. Onde esses fatos irão nos levar, segundo Richard Dawkins, que é ateu de carteirinha, nem Deus sabe.

Mas a essa altura do texto você deve estar se perguntando: o que Sérgio Moro tem a ver com Darwin, Dawkins ou um castor?

Bem… A não ser pelo fato dele pertencer a uma espécie que evoluiu junto com o planeta, Moro nada tem a ver com essa historinha. No entanto, ela me pareceu bastante propícia a traçarmos uma metáfora que pode ilustrar as mudanças, que desejo venham a ser uma evolução, pelas quais nosso país está passando.

A carreira de Moro, seu especial interesse pela Operação Mãos Limpas na Itália, que o levou a estudá-la profundamente por vários ângulos, seu caráter que sempre o guiou na observância das leis e do ambiente à sua volta, foi como aquele gene que sofreu mutação no castor.

Por uma inesperada e improvável coincidência, caiu em suas mãos uma investigação em um posto de gasolina em Brasília onde doleiros operavam com lavagem de dinheiro. Dando prosseguimento rotineiro à operação, as investigações esbarraram no já conhecido Alberto Youssef, mas também no inesperado Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras. Aí nascia para a imprensa, e para a população, a Operação Lava Jato. Esse foi o componente imprevisível e improvável da evolução desse processo.

O caráter moldado em anos de trabalho, o profundo conhecimento de Moro sobre o Mãos Limpas e sua perspicácia para ler o meio ambiente em que nadaria, constituiu-se no gene mutante que o fez erguer um pouco a cabeça ao transportar seu material. Ele utilizou-se da lei que lhe permitia ampla divulgação das investigações, cercou-se de especiais cuidados em suas ações e expôs ao mundo a sujeira da nossa atual política, o que lhe possibilitou a construção de um dique mais eficiente na contenção do fluxo de propinas e lhe resguardou um pouco mais no centro de um lago com área e profundidade maiores. O lago de sua popularidade e aceitação pela população constituiu-se em fator preponderante na sobrevivência do processo desencadeado pela Lava-Jato.

Com as investigações farejando o PT, e tendo como grande auxílio a “enorme” competência de Dilma, deu no que deu. Impeachment e Temer que, por sua vez, foi tragado pela sua velha política e um bate-papo tenebroso no porão do Jaburu com Joesley Batista.

Nesse novo meio ambiente, podemos talvez considerar a eleição de Bolsonaro como um descendente nascido no lago criado pelo dique de Moro, e muitos dos parlamentares do PSL como uma terceira geração, todos eles teoricamente “infectados” pelo gene da cabeça erguida e beneficiários do novo clima.

No entanto, como definiu Darwin, a evolução não tem mão única no sentido de aprimoramento da espécie. Cada descendente pode herdar uma nova mutação em algum de seus genes, e nem sempre ela lhe representa um ganho na possibilidade de sobrevivência. Pode ocorrer exatamente o contrário. Ainda não sabemos ao certo pra que lado a mutação levou Bolsonaro, e nem a maioria dos congressistas que pegaram carona no refúgio do lago eleitoral em que ele nasceu. Enquanto a PF de Moro farejava apenas os outros, o presidente mostrava um comportamento de castor de cabeça erguida. Bastou que ela começasse a farejar o envolvimento de Queiroz com milicianos, no entanto, e o capitão voltou a baixar a cabeça e não se preocupar tanto assim com a construção de um dique contra o fluxo da corrupção.

Nessa nossa parábola do castor, então, como o próprio comportamento de Bolsonaro indica, nossa “espécie” política está em uma fase de transição. O eleitorado já mostrou em 2018 que as condições climáticas estão bastante alteradas, aquecendo o flanco direito e a rejeição a corruptos, porém ainda também sujeitas a recaídas ocasionais. A mutação de indivíduos nunca é linear, sempre apresentando altos e baixos, mas a seleção natural cuidará de preservar a sobrevida dos mais adaptados, enquanto os que não evoluíram, ou evoluíram para o lado errado, tenderão a submergir no ostracismo, se não forem lotar penitenciárias.

É um processo mais lento que o desejado, meio cambaleante, às vezes movendo-se como um caranguejo, mas como a alteração climática praticamente obriga, somente os mais bem adaptados às novas condições popularão nosso Congresso em futuro não tão distante.

No próximo ano veremos as mesmas condições climáticas atuando aqui na Terra do Divino. Resta-nos apenas esperar alguns meses para notar se surgirá alguém já mais adaptado ao novo meio ambiente ou se ficaremos reféns dos mesmos castores de cabeça baixa de sempre.

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é engenheiro mecânico, administrador de empresas e, atualmente, diretor da Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista.