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QUE ACIDENTE QUE NADA!

Que acidente que nada!

Por João Cenzi

Vamos começar a nos expressar em português claro. O que ocorreu em Brumadinho não foi um acidente fatal. Sequer foi um desastre ambiental. FOI CRIME, ponto!

Com a desastrosa experiência de Mariana há poucos anos, em uma empresa em que a Vale é uma das controladoras, a mineradora não aprendeu que barragens construídas com rejeitos de minério, para segurar bilhões de metros cúbicos de rejeitos de minério encharcado não são seguras?

Ah! O preço internacional do minério está baixo, em apenas US$ 75,00 por tonelada, o que inibe investimentos vultosos. Será que é uma boa desculpa? Por um lado, isso aponta que, para a companhia, o lucro é muito mais importante que a segurança. Por outro lado, fica a pergunta: a Vale reforçou a segurança de suas barragens quando o preço internacional do minério estava a US$ 119,00, como em 2011?

Um outro detalhe, a reforçar o sentimento de que vidas humanas são negligenciadas pela mineradora, salta aos olhos quando nos damos conta de que ela concentrou seus funcionários em prédios administrativos e refeitórios construídos exatamente no que seria o início do percurso do tsunami de lama caso houvesse, como realmente ocorreu, a ruptura de barragens.

Para que não reste a impressão de que houve uma criminosa irresponsabilidade nessa ocupação de sua área operacional, seria necessário que acreditássemos em alguma dessas hipóteses:

1-A Vale tinha certeza absoluta de que havia construído barragens absolutamente perfeitas, que poderiam resistir a qualquer intempérie, mesmo que um forte terremoto, e absolutamente isentas de falhas. Deve ter contratado Deus para erguê-las!

2-A Vale fez um acordo de cavalheiros com as barragens, através do qual, se elas tivessem que romper, somente o fariam à noite, quando os funcionários não estivessem nos prédios administrativos e nem nos refeitórios, ou, no máximo, existiriam poucos gatos pingados lá para segurar a lama no peito.

Mesmo que uma dessas “prováveis” hipóteses houvesse sido contemplada pela mineradora, ainda lhe restaria explicar o descaso com o meio ambiente, a fauna e a flora.

Mas o crime não se restringe apenas à mineradora. Do lado do Estado, os órgãos de fiscalização são abandonados, não têm efetivo suficiente para fazer inspeções e, quando fazem, sequer chegam perto das barragens que deveriam ser vistoriadas, Assim, o governo finge que fiscaliza, e as empresas fingem que cumprem normas. E vida que segue!

Quando precisam faturar um pouco mais, as empresas chegam nos poderosos de plantão e pedem que sua categoria de risco seja rebaixada, no que são prontamente atendidas, e a gente sequer imagina por qual motivo, né?. Na Assembléia Estadual, um projeto de lei que tornava mais rigorosas as medidas para liberação de barragens foi vergonhosamente rejeitada, afinal, não se pode exigir que as empresas diminuam sua taxa de lucros, senão perdem investidores e seu preço cai na bolsa.

Ou seja. Tudo se resume a dinheiro, ganância. Pois bem, é isso que move o mundo, não é? Pois que se coloque o dinheiro para proteger vidas, e não lucros. Assim, o governo poderia até mesmo economizar muitos milhões dispensando os órgãos de controle, que hoje nada controlam.

Basta que o governo exija que todas as barragens passem a ter um seguro contra rompimento, seja lá qual for o motivo. As seguradoras, que também não gostam de perder dinheiro, certamente passarão a exigir das mineradoras que construam barragens realmente eficientes, ou então não lhes venderão o seguro. Assim, ou a mineradora passa a utilizar tecnologias mais modernas, seguras e já existentes, para tratar seus resíduos, ou construirão barragens decentes para poder contar com um seguro. Pode ter certeza de que, se assim fosse, uma barragem somente se romperia se fosse explodida!

Isso vai impactar nos custos de produção do minério? Sem dúvida, mas quem não desejar entrar no jogo, que abra espaço para outros mais responsáveis. Afinal, resta-nos ser informados se, no Brasil, aumentar o custo de produção do minério de ferro é um pecado maior do que matar centenas de pessoas!

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é engenheiro mecânico, administrador de empresas e, atualmente, diretor da Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista constantemente convidado nas programações da TV Candidés e da Minas FM.