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A nova e a velha política

Por João Cenzi

Bolsonaro elegeu-se pregando uma Nova Política. Nas primeiras semanas de seu mandato alardeava que não praticaria a Velha Política do toma-lá-dá-cá. Prosseguiu recusando-se a constituir uma bancada governista congressual, alegando que a Nova Política exigia absoluta independência dos Poderes, então o Executivo enviava a proposta e o Legislativo que a aprimorasse e a votasse. O furor consumiu mais de seis meses para aprovar a reforma da Previdência na Câmara, começar a colocar do avesso o pacote anticrime de Moro e parir uma Lei de Abuso das Autoridades sob medida para enterrar a Lava-Jato.

Os desencontros entre o próprio Bolsonaro e seu ministro Sérgio Moro, no entanto, são os únicos fatos que, a rigor, podem ensinar, até mesmo para o capitão, a real diferença entre a Nova e a Velha Política.

O presidente iniciou seu mandato alegando que dera carta branca para que Moro fizesse seu trabalho mas, bastou que as investigações começassem a farejar um certo cheirinho duvidoso na relação Flávio-Queiroz-milícias, para que a tal carta branca amarelasse e ele começasse a interferir no funcionamento das instituições, despachando o COAF para o Banco Central, não sem antes tirar da cadeira de sua chefia o homem de confiança de Moro, tentasse emplacar novos mandantes na Receita do RJ e até mesmo aparelhar a PF, além, é claro, de entabular um acordão com Toffoli que, juntamente com Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, hoje são dos mais poderosos inimigos não declarados de Moro.

Não ficou apenas nessas ações. Bolsonaro também passou a fazer declarações com o objetivo de desautorizar e desacreditar seu ministro da Justiça. A cada dia tem lançado novas frases que a todos, novos e velhos políticos, mostram claramente sua intenção de fritá-lo até que ele não suporte mais e pule fora de seu cargo.

Eis quando, finalmente, alguém mostrou o que realmente é a Nova Política. Moro não se exasperou e não esperneou. Apenas continuou a fazer o seu trabalho, recebendo parlamentares que lhe foram pedir que interviesse junto ao presidente para que este vete a Lei de Abuso de Autoridades na íntegra, e sequer comentou os destemperos verbais do capitão. E Sérgio Moro portou-se assim porque não se importa de que alguém tente humilhá-lo? Não!!!! Ele portou-se assim porque sua postura, seu histórico, sua conduta, sua imagem o permite! Ele não precisa se explicar, espernear ou defender-se da fritura. Se o presidente não está satisfeito com seu trabalho, que assuma o ônus de defenestrá-lo!

Nos 22 anos de carreira, apenas fazendo exatamente o que seu cargo e as leis lhe exigiam, Moro acumulou credibilidade o suficiente para revestir-se de um teflon contra acusações vãs ou frituras políticas. Principalmente durante os anos em que era o juiz da Lava-Jato, sabia que teria poderosos óbices às suas ações, mas aprendeu a comportar-se como a água, que não recua, porém não briga com seus duros obstáculos, apenas os contorna.

Apesar de todo o falatório, as bravatas e as sinceridades do presidente, nem mesmo ele ainda se deu conta de que a Nova Política está brotando da sociedade, e não de nenhum dos três Poderes. Não foram os eleitos que mudaram, nem mesmo Bolsonaro, mas sim os eleitores.

Em postagens anteriores, e em algumas participações minhas em programas da TV Candidés, afirmei que os movimentos populares que se iniciaram em São Paulo em 2013 somente trariam resultados sólidos e perenes lá por 2033. Estamos, e até lá ainda estaremos, assistindo exatamente o embate entre essas forças antagônicas. O ideal é que agora mesmo tivéssemos uma profunda e séria reforma político-eleitoral para destruir o atual sistema que induz, ou na verdade quase obriga, à corrupção e outras ações espúrias, porém alguém acredita que com nosso atual STF, STJ e Congresso essa reforma seria possível? Enquanto a Nova Política, lembre-se: exercida pelos eleitores, e não pelos eleitos, não forçar todas as mudanças necessárias, continuaremos envoltos nessa batalha, pois qualquer um que seja eleito sempre terá alguma mancha no passado, quando não no presente e até no futuro, como muitos têm.

Será que toda a interferência de Bolsonaro contra Moro, o COAF, a Receita e a PF é apenas para evitar que o filho seja obrigado a explicar o famoso “rachid” na Assembléia do Rio de Janeiro, ou a investigação poderia farejar relações espúrias com alguma milícia carioca, até mesmo do atual presidente e ex-deputado de múltiplos mandatos, em cada qual foi obrigado e garimpar voto a voto? Afinal, nem sempre ele foi mito!

Sejamos sinceros. Se Bolsonaro alguma vez utilizou-se da influência das milícias para angariar votos, ele não fez nada que já não fosse feito pela maioria dos políticos, principalmente no Rio e São Paulo. Merece perdão por isso? Acho que não, mas devemos ser realistas para considerar ser impossível punir todos os abusos cometidos. Só o que podemos, e devemos fazer. é lutar para que não se perpetuem.

Quando a sociedade brasileira conseguir impor os novos rumos que vem adotando, a Nova Política finalmente poderá ser exercida por muitos, assim como Moro já está fazendo. Sem medo, sem rabo-preso, sem passado obscuro, sem esperneios, mas como missão.

Os Novos Políticos não precisarão mais se comportar como os gilmares e toffolis da vida, que precisam utilizar o Poder que lhes foi concedido, não pela sociedade ou própria competência, mas por políticos espúrios, para tentar um contra-ataque às forças moralizadoras. Essa é a real diferença entre a Velha e a Nova Política: a nova pode ser serena e forte, enquanto a velha exige que se pratique uma crescente agressividade, até que o autor extrapole os limites e sucumba sob seus próprios atos.

A cada ano em menor escala, mas até 2033 ainda veremos praticantes da Velha Política sendo abatidos por suas supostas espertezas. Alguns poderão mesmo sobreviver a 2033 e continuar com velhas práticas, mas as instituições já terão músculos para fazer com que sejam exceções, e não a regra de hoje.

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é engenheiro mecânico, administrador de empresas e, atualmente, diretor da Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista constantemente convidado nas programações da TV Candidés e da Minas FM.