fbpx
Pular para o conteúdo

Pandemia: liderar e diminuir o grau de incerteza

Image
Thiago de Azevedo Camargo. Advogado. Empresário. Especialista em Políticas Públicas e Mestre em Ciência Política.

Pandemia: liderar e diminuir o grau de incerteza

Thiago de Azevedo Camargo. Advogado. Empresário. Especialista em Políticas Públicas e Mestre em Ciência Política.

O mundo vem sofrendo a pior crise sanitária da história. Fecharemos março com mais de 600 mil infectados e 28 mil mortos. Mais de ¼ da população encontra-se com restrições ao convívio social e à circulação.

Embora o desafio não seja novo, a globalização impõe uma maior interconexão entre os países e os povos, com consequências na intensidade e velocidade de propagação de certas doenças, em todos os cantos do globo.

O Brasil foi duramente atingido. Em março, a doença começou a mostrar sua força com milhares de contaminados e centenas de mortes. A economia sofreu um baque ainda maior.  As estimativas, a meu ver ainda relativamente otimistas, dão conta de uma retração econômica em 2020 no país da ordem de 0,7% (Itaú) a 4,4 % (FGV) do PIB.

O governo, o Congresso e a sociedade civil debatem soluções para a crise. Foram divulgadas diversas medidas para diminuir o seu impacto econômico. Mudanças na legislação trabalhista, maior liquidez ao sistema financeiro, financiamentos, renda para os informais etc.

O pacote pode chegar a 10 % do PIB e ainda pode ser considerado relativamente pequeno diante das
imensas dificuldades que serão enfrentadas pelos brasileiros nos próximos meses.  Ao lado disto, toma corpo a discussão a respeito da eficácia, da eficiência e da viabilidade das  medidas sanitárias tomadas pelo governos federal, estadual e municipal. As discussões foram  imediatamente politizadas, polarizadas e insufladas por declarações do presidente e de alguns  governadores e prefeitos.

É necessário que a classe política coloque a cabeça no lugar e exerça o ativo mais escasso e mais necessário no momento: liderança. A liderança deve inspirar. Deve mostrar o caminho a seguir. Deve unir, convencer, informar. Deve preparar as pessoas para enfrentar desafios e perdas, dar exemplo nos momentos de dor e privação e proporcionar motivação a partir das pequenas conquistas cotidianas.

Liderar ajudará também a mitigar a principal causa dos problemas econômicos: a incerteza. Isto porque, mesmo com empréstimos, liquidez no sistema financeiro e renda para os mais pobres, a questão central permanece: até quando a crise irá durar? Quais os efeitos do vírus na saúde do brasileiro e de nossa sociedade? Qual será o impacto específico sobre o sistema de saúde? Quando as medidas de contenção serão mitigadas? O vírus poderá voltar?

A incerteza relacionada à pandemia é o grande risco para a economia. Se os agentes privados e os atores políticos não sabem o que acontecerá, a tendência é agir de forma predatória e individualista. Não há coordenação nestes casos, pois a atitude racional, num ambiente de completa incerteza, é agir em causa própria e sem considerações em relação a perspectivas morais, éticas e/ou sociais.

Ou seja, num ambiente como o atual, os atores econômicos tendem a agir de forma a prejudicar o conjunto da sociedade de maneira reflexa. O empresário demite; o consumidor não compra; o comprador não paga; o banco não empresta.

O resultado é uma queda ainda maior na economia. Esse ciclo, infelizmente, se retroalimenta. O fenômeno é conhecido e já está acontecendo no Brasil. A economia só roda com confiança, mas o grau de incerteza é gigantesco. O resultado é o aumento das demissões, da inadimplência e a diminuição ainda maior do consumo. O resultado é menos riqueza, menos renda, e mais incerteza.

É necessário liderar. Adotar medidas para diminuir a incerteza. Os sinais trocados de autoridades do governo federal atrapalham a solução dos problemas. O papel central das lideranças políticas e de todos os poderes e instâncias é diminuir o grau de incerteza que rege as atividades das pessoas e das empresas. É imprescindível um compromisso público dos governos e da sociedade, que pode ser resumido em quatro frases:

a) nenhum cidadão ficará sem assistência médica;
b) nenhum cidadão ficará sem alimentos e sem produtos essenciais;
c) faremos o possível para que nenhuma empresa quebre exclusivamente por conta da pandemia; e, por fim,
d) passaremos por um período duro, que implicará em grandes perdas econômicas, sociais e humanas, mas venceremos, sem deixar ninguém sozinho.

Liderança deve ser baseada em valores e ações. Num pacto desse tipo, que coordena as expectativas de empregados, empresários, grupos sociais, classes econômicas e diversos perfis etários, é imprescindível fomentar solidariedade e identidade, bem como coordenar as expectativas e as ações individuais e coletivas. As pessoas precisam entender a partir de gestos concretos que estão no “mesmo barco”. Precisam sentir que fazem parte da “mesma nação” e que devem se esforçar ao máximo para alcançar o propósito comum: derrotar o vírus com menor número de danos às pessoas e à coletividade. O impacto fiscal pode até – quem sabe – ser menor, já que a coordenação das expectativas e a implementação de medidas concretas induzem as pessoas e as empresas a tomarem decisões menos predatórias e de médio prazo, na medida em que o horizonte é mais claro e a luta não é meramente pela sobrevivência individual.

É necessário – e o tempo está contra nós – que as autoridades políticas, lideranças empresariais, religiosas, sindicais, prefeitos, governadores, enfim, todos, assumam um compromisso público de solidariedade para com o Brasil e as brasileiras e os brasileiros. As medidas devem ser concretas, a comunicação clara e objetiva. Os exemplos das lideranças são nada menos que imprescindíveis para sairmos do maior desafio de nossa geração.

As consequências da pandemia já estão aí e são difíceis de calcular. Haverá perdas econômicas e sociais. Muitas vidas humanas padecerão. Mas, quando isto acabar, se contarmos agora com líderes capazes de adotar medidas apropriadas, a economia não estará desorganizada, a retomada será mais rápida, muitas vidas terão sido salvas e olharemos uns para os outros com a certeza de que fizemos o melhor que podíamos.

É hora de decidirmos se queremos realmente ser uma nação para todos, civilizada, solidária, democrática e desenvolvida.

Thiago de Azevedo Camargo. Advogado. Empresário. Especialista em Políticas Públicas e
Mestre em Ciência Política.