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80 anos da morte de Frei Orlando

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Frei Orlando / Acervo Congregação Mariana

Por Felipe Machado

Há 80 anos, em 20 de fevereiro de 1945, falecia em combate na Itália, durante a II Guerra Mundial, Frei Orlando, o “Patrono do Exército”, que apesar de curta, mas marcante passagem por Divinópolis, deixou seu legado.

Frei Orlando nasceu Antônio Alvares da Silva, filho de Itagiba Alvares da Silva e Jovita Aurélia da Silva, em 13 de fevereiro de 1913, no distrito de Morada Nova, então pertencente a cidade de Abaeté, hoje município de Morada Nova de Minas, às margens do Rio São Francisco. Seu pai era negociante e Juiz de Paz naquela localidade e homenageara o seu oitavo e último rebento com o nome de seu avô paterno. 

Órfão com apenas 16 meses de idade, foi criado durante toda sua infância pelo farmacêutico Sebastião de Almeida Pinho e sua esposa, Emirema Teixeira Pinho, a Dona Ninita, casal amigo e vizinho de seus finados progenitores. Batizado e comungado pela primeira vez na Igreja de Nossa Senhora de Loreto, mostrou desde pequeno as vocações para o sacerdócio.

Em 1922 tornou-se coroinha e, aos 10 anos de idade, conheceu três padres franciscanos que visitavam a cidade de Abaeté, que acabaram convidando-o para conhecer o novo Seminário em Divinópolis. Aos 12 anos de idade, em 1925, deixou Abaeté para ingressar no Colégio Seráfico de Divinópolis, dos padres franciscanos, que era inaugurado na cidade naquele ano. 

Na época, este educandário funcionava ainda no casarão do Largo da Matriz, hoje Museu na Praça Dom Cristiano, enquanto as obras do Convento e Colégio Seráfico, na esquina da Avenida 21 de abril com Rua Minas Gerais, se acabavam. No Seminário, demonstrando comportamento irrequieto e dedicado, recebeu vários apelidos como “Antônio Merreu” e “Antônio Capela”, aceitando com espírito zombador. 

Em 1931 concluiu seus estudos primários na cidade e partiu, na companhia de outros alunos e demais freis franciscanos, para a Holanda. Ingressou ao Seminário Menor no Colégio Seráfico de Sittard, adotando a Ordem Franciscana. Nos Países Baixos, cursou o noviciado no Convento de Hoogcrutz, estudou Filosofia em Venray, e fez ainda seu primeiro ano de Teologia no Convento de Alverna. Transferiu-se finalmente para Wijchem, concluindos seus estudos na Europa, onde foi autorizado para seu regresso ao Brasil.

Retornou da Holanda a bordo do navio Highland Monarch em setembro de 1935. Na primeira quinzena de novembro, os sinos de Morada Nova entoaram sons fortes e repicados, anunciando o retorno de Antônio Alvares da Silva, agora Frei Orlando, “o primeiro frei Franciscano Mineiro”.

Frei Orlando enquanto estudava na Holanda / Acervo Grupo Memória de Divinópolis.

Em 25 de outubro de 1936, foi ordenado Diácono no Seminário Seráfico do Santuário de Santo Antônio, em Divinópolis, com D. Inocêncio Engelke. Em 24 de outubro de 1937, aos 24 anos, na presença de todos os seus irmãos, foi ordenado sacerdote franciscano, também no Santuário de Santo Antônio, em Divinópolis, pelas mãos do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral. Realizou sua primeira missa no dia 1º de novembro daquele mesmo ano, na Igreja São Francisco das Chagas ainda sob obras, no bairro Carlos Prates, em Belo Horizonte.

Ordenado, Frei Orlando foi para a cidade de São João del Rei, onde lecionou no Colégio de Santo Antônio, dirigido pela Ordem dos Franciscanos Menores, aonde passou a lecionar as matérias de Português, Geografia e História Geral. Posteriormente, por seu empenho na educação, foi nomeado diretor espiritual deste Colégio. 

Frei Orlando recém-ordenado pela Ordem Franciscana, em 1938 / Acervo Congregação Mariana

Apaixonou-se pela cidade histórica, querendo cada vez conhecer mais e conviver mais com sua gente. Em São João, tornou-se verdadeiramente um missionário da caridade, sempre buscando ajudar a população carente, os necessitados, as famílias pobres e a combater a fome. Na época, foi o criador da “Sopa dos Pobres”, que buscava alimentar a população que não tinha meios de se alimentar. 

Foi neste período que se aproximou do exército. Na necessidade de mão de obra para ajuda de suas obras de caridade, procurou o 11º Regimento de Infantaria em São João del Rei (hoje 11º BIMth -11º Batalhão de Infantaria de Montanha) para recrutar voluntários entre os soldados, o que conseguiu com sucesso.

Frei Orlando nos tempos de São João del Rei / Acervo da página ‘Relembrando A Nossa História’-Facebook.

Com a deflagração da II Guerra Mundial, em 1939, e com a entrada do Brasil no maior conflito bélico da história, em 1942, Frei Orlando viu a mobilização das tropas do 11º Regimento para a Força Expedicionária Brasileira e decidiu não ficar sem ajudar na causa. No dia 15 de março de 1944, de forma voluntária, Frei Orlando apresentou-se para ser capelão do Exército Brasileiro na II Guerra Mundial. Dez dias depois, ocupava os barracões da Vila Militar, no Rio de Janeiro, em preparação para a batalha. O embarque aconteceu quase seis meses depois, em 22 de setembro daquele mesmo ano, levando consigo um cachimbo e uma gaita para os campos de guerra na Itália. 

Frei Orlando, com o uniforme militar, em 1944 / Acervo Congregação Mariana

No dia 6 de outubro de 1944, a bordo do navio norte-americano “General Meighs”, atracou no porto de Nápoles, na Itália. No dia 10, embarcou com os demais oficiais para a Ternuta de San Rossore, a oeste da cidade de Pisa, lugar com espaço suficiente para abrigar até três Divisões Militares (doze mil homens), conforme esperado pelos Aliados.

Naquele local, próximo da cidade de Pisa, no dia 22 de outubro de 1944, realizou sua primeira missa em solo europeu numa capelinha construída pelos brasileiros em Pisa. A cerimônia foi acompanhada por cerca de quatro mil soldados, que em coro, encerraram o Rito Romano cantando o Hino Nacional, ao som longínquo do estrondo de canhões inimigos.

Frei Orlando distribuindo comunhão aos combatentes da guerra, em 1944 / Acervo Grupo Memória de Divinópolis.

No campo de batalha, Frei Orlando tinha tanto preocupação com a assistência espiritual dos soldados, como a ajuda às famílias italianas em estado de grave pobreza devido à guerra. Preferia a frente de batalha ao invés da retaguarda. Sua presença era constantemente notada na Primeira Linha, como afere-se num trecho de uma de suas cartas escritas aos familiares: 

“(…) Desde que vim para a linha de frente, estou sempre no Posto de Saúde Avançado a fim de atender os feridos que chegam do campo de luta. De fato, vivo “zanzando” por toda parte, hoje aqui, amanhã ali, dormindo ora neste, ora naquele lugar, sempre na primeira linha. Até hoje, nada sofria. Ao contrário, estou bem disposto, alegre e sempre animando a turma (…)”

Frei Orlando pilotando um veículo de combate, durante expedição da F.E.B. na Itália, em 1944 / Acervo Jornalismo de Guerra.

Na manhã de 20 de fevereiro de 1945, véspera da histórica conquista de Monte Castelo, Frei Orlando manifestou ao Comandante do Batalhão, Major Ramagem, o desejo de ir de Falfare, onde estavam as tropas brasileiras, até Bombiana, para visitar a 6ª Companhia, que fora a mais bombardeada. Armado de seu Ritual e dos Santos Óleos, partiu Frei Orlando a fim de levar conforto e coragem aos nossos combatentes para a grande batalha que se aproximava. Optou por ir a pé, por um caminho mais curto, porém perigoso, apesar do Comandante ter lhe imposto o mais longo, entretanto mais seguro.

Quando já se aproximava de Bombiana, encontrou-se com o Capitão Francisco Ruas Santos, que o convidou para prosseguir no seu jipe, dirigido pelo Cabo Gilberto Torres Ruas, que, juntamente com o Sargento Partigiani, um membro da resitência italiana que guiava os brasileiros, seguiam na mesma direção.

A bordo do jipe, pela esburacada e pedregulhosa estrada que levava a Bombiana, o grupo acabou preso em uma das pedras pelo caminho, que travou o eixo dianteiro do veículo. Todos desembarcaram e procuraram retirá-la. O sargento italiano, no intuito de ajudar o capitão que trabalhava com uma manivela, fez o repentino ato desferindo forte pancada com a coronha de seu rifle. 

O golpe ocasionou um disparo acidental da arma, que atingiu mortalmente o capelão, que estava bem próximo. Frei Orlando morreu em instantes, com o disparo atingindo-lhe o peito. Contava com apena 32 anos de idade, recém completados, tornando-se o único capelão brasileiro morto nas operações de guerra da Itália.

“(…) Deus chamou para si, talvez, a única alma alegre e risonha que pisava o devastado solo da Europa em chamas (…)” 

Busto em memória e homenagem a Frei Orlando, instalado nos jardins do Santuário de Santo Antônio, em Divinópolis, onde se ordenou, em 1937 / Registro da página ‘Relembrando A Nossa História’-Facebook.

Foi velado naquela mesma tarde e noite, durante a missa de corpo presente, e sepultado vestindo o hábito franciscano e o capuz. Ao final da Guerra, o governo brasileiro instituiu Frei Orlando como ‘Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército’ criado em caráter permanente por Decreto-lei no ano de 1946.

Seus restos mortais e também de outros combatentes, inicialmente sepultados próximos aos campos de batalha na Itália, foram trazidos ao Brasil no ano de 1960, sendo depositados no Monumento Nacional Aos Mortos da II Guerra, no Rio de Janeiro. Em 2009, foram enfim transferidos para São João Del Rei, terra que tanto amou.

Registro da chegada dos restos mortais de Frei Orlando, exumados e extraditados da Itália para o Brasil em 1960 / Acervo Grupo Memória de Divinópolis.

Em sua memória, o município de Divinópolis homenageou-o, com o nome de Rua Cabo Frei Orlando, no bairro Residencial Castelo, na região sul. Também por muitos anos, funcionou na cidade o Colégio Frei Orlando, que entre as décadas de 1960 e 1990 se tornou referência na região. Era abrigado no prédio da Rua Minas Gerais, entre Rua Rio Grande do Sul e Rua Bahia, mesmo edifício que também recebia a FADOM (Faculdade de Direito do Oeste de Minas). 

Fachada do Colégio Frei Orlando e FADOM, nos anos 60 / Acervo Salete Michelini.

O Colégio Frei Orlando, além de sua excelência, qualidade e exímio corpo docente, ficou marcado nas décadas em que existiu pela sua fanfarra, que animava desliles, festas, carnavais e demais eventos na cidade. Foi com a fanfarra do Colégio Frei Orlando que, em 1970, Divinópolis venceu o concurso do programa ‘Mineiros Frente a Frente’, uma disputa entre cidades organizada pela antiga TV Itacolomi, de Belo Horizonte, que colocava jovens de idade escolar de várias cidades do estado em disputas esportivas, gincanas e pedagógicas. 

Desfile de alunos do Colégio Frei Orlando na Avenida 1º de Junho, nos anos 80 / Acervo Salete Michelini.

O saudoso patrono do exército brasileiro também recebeu homenagens populares, como a Livraria e Papelaria Frei Orlando, que funcionou por muitos anos na Avenida 1º de Junho, em dois endereços. Posteriormente o ponto foi comprado pelo sr. Edercy, e instalado com novo nome: Fortil. Posteriormente a Fortil mudou-se para a Rua Minas Gerais. 

‘Livraria e Papelaria Frei Orlando’, na Primeiro de Junho, anos 50 / Acervo Grupo Memória de Divinópolis.
‘Livraria e Papelaria Frei Orlando’, durante lançamento do livro do professor José Dias Lara, nos anos 60 / Acervo Grupo Memória de Divinópolis.
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