Antes de continuar lendo esta reportagem, tenha em mãos CPF,
CEP, data de nascimento e nome completo. Agora, baixe
o aplicativo Caixa Tem, preencha os dados e
confira se a parcela do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), liberada em caráter emergencial por causa
da pandemia do novo coronavírus, não foi resgatada por
fraudadores.
Após a Caixa Econômica Federal anunciar que a partir de junho
liberaria até R$ 1.045 do FGTS
de contas ativas ou inativas, em caráter
emergencial, fraudadores passaram a agir.
O modus operandi, segundo relato de algumas vítimas, é, de certa
forma, simplório: os fraudadores se cadastram no aplicativo Caixa
Tem – poupança digital da instituição criada para que os
trabalhadores movimentem o dinheiro – no lugar dos verdadeiros
titulares, criando um novo e-mail e utilizando os dados das
vítimas. Elas só percebem ter caído no golpe ao ver o sistema
acusar um cadastro já feito naquele CPF.
A fraude acontece até com quem tem experiência em informações
digitais, caso de Thomas Ranzi. Especialista em segurança da
informação, Ranzi tentou fazer seu cadastro no aplicativo da Caixa,
em julho, quando se deparou com o aviso do sistema de que já havia
um registro feito em seu nome.
Os golpistas, que chegaram a criar um e-mail no nome dele para
ter acesso ao dinheiro, fizeram um pagamento de um boleto do mesmo
valor da parcela do FGTS, o que indica, por exemplo, uma
transferência de recursos para um banco digital. Ranzi chegou a
fazer uma reclamação junto à instituição, mas a queixa foi
indeferida – o banco concluiu que não havia indícios de fraude.
“Trabalho na área e tenho meios de questionar a resposta da
Caixa e, inclusive, entrar na Justiça, se for o caso. Mas me
preocupa muito o fato de muita gente ter esse dinheiro tomado sem o
conhecimento. Nem todo mundo sabe que teve essa liberação do saque
emergencial”, conta o especialista.
Ranzi deve abrir outra contestação, porém, com um boletim de
ocorrência em mãos, que será registrado nos próximos dias. Mas
enquanto sua primeira reclamação era analisada pela Caixa, ele
chegou a fazer um artigo em uma rede social explicando como fora
vítima do golpe e deu dicas para que outras pessoas verificassem se
também haviam sido alvo dos fraudadores.
A história, então, viralizou: surgiram relatos semelhantes nos
comentários – inclusive, de profissionais da área da Tecnologia de
Informação.
Outro cliente da Caixa, que preferiu não se identificar, viveu
situação semelhante: ao verificar o saldo de sua poupança digital –
que ele nunca havia movimentado – notou a presença de apenas R$ 45.
Os outros R$ 1 mil haviam sido sacados sem qualquer autorização
dele.
“Só soube que tinham retirado o dinheiro quando fui à agência
fazer a opção pela devolução do auxílio emergencial à conta do
FGTS”, relata. Na unidade, o homem foi orientado a contestar o
saque para que as providências fossem tomadas. “Se não tivesse ido
à agência, nunca saberia que tinha sido lesado. Isso pode estar
acontecendo com muita gente”, alerta.
Quem também tentou solicitar a devolução do FGTS emergencial
para a conta original foi o marido de Élida Tatiane Sabino. A
proprietária de uma empresa de decoração de eventos conta que não
pretendia utilizar os R$ 1.045, que estavam na conta do cônjuge.
No entanto, ela recebeu a ligação de um homem, se dizendo
funcionário da Caixa, pedindo para que fosse fornecido um código
enviado ao telefone dela. Élida passou, mas o número se tratava da
confirmação pedida pelo Caixa Tem para validar o telefone.
Instantes depois de desligar, ela percebeu que havia sido mais uma
vítima.
“Não sei como a pessoa conseguiu os meus dados. Esse telefone
está cadastrado na Caixa e era do meu marido, só que está comigo há
mais de seis anos. Eu nem lembrava da Caixa. Quando ele ligou
(golpista), ele ligou perguntando do meu marido e eu disse: ‘Não é
nesse número, tem um outro’, porque na confusão eu nem sabia o que
era. Aí ele falou assim: ‘Você me passa o código que eu te
mandei?’. Na hora eu nem desconfiei, mas na hora que desliguei o
telefone disse: ‘Caí no golpe’”, relembra.
Élida também conta que a Caixa orientou o marido a fazer uma
contestação, ação que deverá ser tomada por ele nos próximos dias.
Tudo para tentar recuperar os R$ 1.045 levados no golpe.
“Meu marido não consegue ir lá, porque ele trabalha. Ele
tentou ir na hora do almoço e estava aquela fila quilométrica. Eu
tentei conseguir uma procuração para resolver (em nome do marido),
eles não aceitam nada. Tem que ir a pessoa. Depois de toda a
confusão, a Caixa mandou um e-mail admitindo que foi um golpe, um
erro, e disse para a gente ir lá fazer a contestação. Meu marido
vai pegar o boletim de ocorrência e vai lá agora nas férias dele
tentar recuperar o dinheiro”, diz.
FALHAS
Por atuar com sistema de informações, Thomas Ranzi logo
estranhou o tipo de informação pedida no primeiro acesso ao
aplicativo do banco. “Esses são dados que (estão em) qualquer
cadastro que vaze na internet ou sistemas públicos, como o da
Receita Federal”, alerta. Segundo ele, o processo de confirmação
das informações fornecidas foi a lacuna encontrada pelos criminosos
para entrar nas contas. “Os fraudadores, sabendo que a Caixa fez um
processo falho de validação, foram mais rápidos que as pessoas”,
lamenta. Na visão do especialista, há outras formas de a
instituição validar o cadastro dos clientes, utilizando, por
exemplo, o Número de Identificação do Trabalhador (NIT).
Assim como Thomas, Élida também acredita que a Caixa precisa
reforçar a segurança, pedindo outros tipos de dados. Para ela, o
processo deveria ser inverso: interessados em captar o FGTS
emergencial solicitariam no próprio aplicativo. Atualmente, o
usuário tem a opção de cancelar o saque. Desta forma, o dinheiro
retorna ao FGTS, mas tal função não funcionou no caso do marido da
empreendedora.
“O povo tem que ir atrás dos seus direitos. Se tem alguém
errado, não somos nós. Errado é o sistema, que é frágil. É o
governo, que fica fazendo de um jeito que é para facilitar, mas
está facilitando a vida do bandido, você não está facilitando a
vida do povo. A pessoa tem que solicitar. Tem que perguntar dados
que ninguém tem. Tem que ser mais seguro”, opina.
Caixa já reconheceu falha no sistema de pagamento
Os pagamentos do FGTS emergencial são feitos em duas etapas:
primeiro, o dinheiro fica disponível no Caixa Tem – por onde é
possível, por exemplo, fazer compras com cartão de débito e saldar
boletos. Depois, o dinheiro pode ser sacado. No último dia 21, os
nascidos em dezembro puderam ter acesso às contas. A última etapa
dos saques está prevista para ser iniciada em 14 de novembro.
Em julho, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, chegou a
reconhecer, em entrevista ao Infomoney, que a ‘brecha’ encontrada
pelos hackers foi a possibilidade de utilizar um mesmo celular para
cadastrar duas contas. Guimarães, disse, ainda, que a investigação
sobre os hackers estava sob o guarda-chuva da Polícia Federal.
Presidente do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), o
advogado Roberto de Carvalho aconselha atenção nas mensagens e
endereços recebidos por mensagens e pelas redes sociais. “É preciso
evitar dados pessoais sem saber se o site ou aplicativo é oficial
ou confiável”, sustenta. “Sites oficiais não enviam esse tipo de
informações através do compartilhamento de mensagens”,
acrescenta.
Nas redes, há muitos relatos sobre beneficiários indevidos do
auxílio. No Reclame Aqui, plataforma que reúne manifestações de
consumidores insatisfeitos, é possível ver diversas manifestações
do tipo. “Realizaram um cadastro falso, usando e-mail, telefone e
CEP que não me pertencem. Quando fui à Caixa verificar o cadastro,
o valor já tinha sido sacado”, diz um dos cidadãos.
Outro lado
Procurada, a Caixa disse fazer monitoramentos constantes sobre
os usuários cadastrados para movimentar os valores liberados pelo
FGTS e, também, a ajuda de R$ 600. “Essa checagem está garantindo a
preservação do direito ao saque de benefícios sociais por todas as
pessoas que preenchem corretamente os critérios de elegibilidade e
necessitam dos recursos do auxílio emergencial que é a maior
operação de transferência de renda da história do país”, afirma o
banco, por meio de nota. A instituição garantiu, ainda, a devolução
de recursos subtraídos. “Eventuais contestações de saques podem ser
formalizadas pelo beneficiário diretamente em qualquer agência da
Caixa. Para os casos em que houver comprovação de saque
fraudulento, o beneficiário será devidamente ressarcido”.
Cuidados
A vida virtual é tão corrida quanto o cotidiano físico e,
muitas vezes, usuários preenchem formulários sem sequer conferir a
confiabilidade dos sites. Depois disso, o caminho está aberto para
os estelionatários. Há, contudo, uma forma de dirimir o problema:
Roberto de Carvalho aconselha os internautas a desabilitarem, nos
navegadores web, as autorizações concedidas a portais tidos como
suspeitos.
“O cliente precisa estar atento às situações que não são
usuais”, pontua. “É preciso evitar clicar em links que falam em
contas e valores a receber, com informações sensacionalistas e
oportunidades ‘imperdíveis’”.
Ainda segundo o especialista, usuários devem, sempre que
possível, comunicar autoridades e instituições sobre sites onde
recaem suspeitas de utilização de dados dos internautas para fins
escusos. A Caixa também lançou plataforma contendo dicas para
evitar fraudes.
Entenda o que é o benefício
Autorizado pela Medida Provisória nº 946 de 07/04/2020, é o
saque a que tem direito todo titular de conta do FGTS com saldo,
incluindo contas ativas e inativas, no valor de até R$ 1.045,00 por
trabalhador. O saque pode ser feito até 31 de dezembro de
2020.
Como receber?
Em
um primeiro momento, o dinheiro proveniente do FGTS emergencial
estará disponível no aplicativo Caixa Tem – poupança social digital
criada pela própria instituição. Após o depósito do dinheiro,
usuários podem efetuar o pagamento de boletos ou fazer compras
utilizando o cartão de débito virtual e QR Code. O saque ou
transferência bancária para outras instituições poderão ser feitos
depois que a Caixa liberar. O sinal verde depende do mês de
nascimento do trabalhador. O saque poderá ser feito por meio de
terminais eletrônicos ou casas lotéricas, utilizando o código
gerado no Caixa Tem, assim como a transferência poderá ser feita
para qualquer entidade bancária sem custos.
Prazos
Se a poupança social digital não sofrer movimentação até o dia
30/11/2020, os valores retornarão à conta FGTS do trabalhador,
devidamente corrigidos. Já o saque poderá ser feito até o dia 31 de
dezembro.
Fonte: Caixa Econômica Federal