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Lisca está invicto sobre Felipe Conceição.

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A imagem fica: Lisca orquestrando os jogadores do América ao som de um irreverente canto: “Um, dois, três… o Conceição é freguês”. Rivalidade entre ambos? Pouco provável. Não se cruzaram na carreira. O próprio treinador americano já disse mais de uma vez que Felipe Conceição, que o antecedeu no América, tem enorme parcela de mérito na montagem do Coelho de 2020, principalmente. O que Lisca quis dizer com a “freguesia”, então?

Em duelos regionais, com rivalidade entre os clubes, é natural que se desenvolva também uma rivalidade entre os treinadores desses clubes, acostumados a se enfrentar nas competições. Felipe e Lisca, um pouco pelo regionalismo de agora e um pouco por coincidência quando Conceição estava no Guarani, na Série B, já se trombaram quatro vezes desde janeiro. Lisca venceu em todas, duas dentro e duas fora de casa.

A primeira foi no Guarani 0x1 América, do dia 2 de janeiro, primeiro jogo de ambos no ano. Era reta final de Série B, e a vitória do Coelho praticamente garantiu o acesso, que viria duas rodadas depois no empate com o Náutico em Recife. O Guarani, por sua vez, vinha embalado e ficou pelo caminho depois de uma série de desfalques por Covid-19 que impactaram nos resultados. Felipe morreu na praia pelo segundo ano consecutivo, mesmo com ótimo trabalho.

Veio a temporada 2021, e Conceição mudou de time. Chegou ao Cruzeiro e entrou no Estadual sabendo que estava atrás – em tempo de trabalho e/ou orçamento – dos grandes rivais Atlético e América. Sabia também que teria enfrentamentos com o Coelho, que é quem com mais fome olha para o fracasso do Cruzeiro, interessado em ver o clube, estagnado, perder torcedores para o alviverde, muito mais organizado. Felipe sabia que iria enfrentar o time de Lisca muito motivado, por isso.

O Cruzeiro ainda estava longe de estar pronto antes do primeiro jogo entre eles em 21 de março, e o América, verdade seja dita, também não vivia seu melhor momento. Em um jogo amplamente dominado pelo Coelho, vitória magra por 1 a 0, em gol originado em lance de impedimento. Além do autor do gol, Joseph, quem nem está mais no clube, o América teve entre os titulares Sabino, Marcelo Toscano e Gustavo, hoje reservas.

O Cruzeiro de Felipe Conceição, em seu momento de maior instabilidade na temporada, foi para aquele jogo no Independência sob forte pressão e com um time totalmente diferente do atual. Foram titulares naquela tarde: Eduardo Brock, Jádson, Alan Ruschel, Felipe Augusto e Marcelo Moreno. Hoje, não mais que reservas. No caso de Moreno, sequer ficou no banco na terceira partida.

Foi uma vitória do América ao natural. E esse blog aqui já chamava a atenção para a lição de “hierarquia” dada por um time que, naquele momento, já dava claros sinais de superioridade.

Entre o primeiro e o segundo jogo, foram mais de 40 dias de intervalo. O Cruzeiro acertou a defesa, o América também conseguiu embalar. Nos clássicos que fizeram com o Atlético, melhor para o Cruzeiro, que venceu, enquanto o Coelho foi batido pelo rival alvinegro. E os caminhos dos dois se cruzaram de novo nas semifinais.

Aí é que entra a magia de Lisca. Aí é que coisas acontecem para levar o treinador a falar em “freguesia” de Felipe, mesmo reconhecendo publicamente a qualidade do treinador do Cruzeiro.

Todos nós, e os torcedores, em geral, projetávamos um confronto equilibrado nas semifinais e, em boa parte dos jogos, o confronto foi. Antes do primeiro tempo do primeiro jogo, Lisca tinha uma dúvida: usar o 4-3-3 estruturado desde o ano passado ou o 4-4-2 que oscilou durante esse ano, mas deu certo algumas vezes? Optou pela primeira situação.

E Lisca teve enorme dificuldade pra equilibrar o jogo no Mineirão, contra um Cruzeiro ofensivo e confiante. Um Cruzeiro que abusou de criar oportunidades, explorando a velocidade dos pontas (principalmente Bruno José) nas costas da primeira linha adiantada do Coelho.

Quem é observador vai se lembrar de Felipe Conceição percebendo que seu time, no Mineirão, forçava a saída pelo lado de campo e desperdiçava Adriano, primeiro homem de meio, passador, para organizar a saída desde trás. O treinador pedia o jogo por lá. E o jogo começou a passar.

E Adriano distribuía com relativa facilidade, sem ser incomodado por Alê e Juninho, distantes demais dele, e com Rodolfo olhando mais para os zagueiros do time celeste. Adriano foi encontrando caminhos para que os defensores do Cruzeiro tivessem tempo e espaço para acionarem a melhor jogada. E eles achavam os pontas, achavam Rafael Sóbis e Rômulo, mais aberto pela esquerda que de costume. O Cruzeiro funcionava, fez um a zero e poderia ter feito mais no Mineirão.

Então Lisca usou o intervalo para reorganizar as peças e provocar a mudança que lhe deu a virada naquele jogo e o deixou mais próximo da classificação: o 4-4-2. Abriu Juninho, mais agressivo pela direita, para tirar a saída com Matheus Pereira e deixou ainda Felipe Azevedo cuidando de Cáceres do outro lado.

Com Bruno Nazário centralizado, ele ou Rodolfo poderiam voltar sempre que necessário para pressionar Adriano se ele demorasse com a bola. Alê tinha autorização para pressionar quando o volante do Cruzeiro dominasse de costas. Zé Ricardo, por dentro e mais alinhado a Alê, oferecia sobra para cortar linhas de passe e tirar a saída por dentro do Cruzeiro. O América adiantou a marcação, sufocou, e o Cruzeiro parou de jogar naquele jogo. O empate do América era justísissimo e aconteceu só no fim, vindo ainda acompanhado do gol da virada e de uma vantagem ainda maior para a volta.

Na volta, jogo de domingo, todos sabíamos da forte tendência de o América de repetir a formação do segundo tempo da ida. Foi exatamente o que aconteceu.

Recuar alguém para trabalhar com Adriano, modificar características entre os titulares, alternativas. O problema é que isso passa por tempo de treino, conhecimento dos jogadores e comportamentos, para conseguir adequá-los a diferentes situações, para resolução de diferentes problemas.

O Cruzeiro apostou no seu modelo, até porque é um time que quer sair do Estadual com a base pra Série B, com uma forma de jogar. E conseguiu sair. Hoje é um time infinitamente mais promissor do que o que estreou na Série B 2020 nas mãos de Enderson Moreira

Se vai confirmar isso em campo, não sabemos. Uma boa dica para se atestar a competitividade é a fala de Cauan de Almeida, auxiliar de Lisca, na coletiva logo após a classificação do América:

“O Felipe Conceição tá conseguindo implementar um processo no modelo de jogo muito interessante, inclusive a gente sabe do potencial do trabalho do Felipe, sabe do potencial que o Cruzeiro tem pra este ano. A gente tá inclusive elogiando a trabalho deles porque a gente sabe que o Cruzeiro tem muito potencial pra sucesso de acesso”.

Cauan fala com conhecimento de causa, de quem acabou de subir para a Série A. Enquanto isso, Lisca, que mudou o sistema e tornou o jeito de jogar do América mais efetivo contra o Cruzeiro de Felipe, segue desfrutando a boa marca contra o treinador adversário. Não sei se a “Nova realidade” a qual Lisca se referiu falando do futebol mineiro será longa, se veremos o América muitos anos a frente do Cruzeiro e rivalizando com o Atlético como no início dos tempos do nosso futebol aqui em Minas, mas é fato que o Coelho é merecedor dessa decisão, e Lisca precisa agora estudar e entender o Atlético, barreira que o separa do primeiro título estadual da carreira, e de seu primeiro título no América.