A crise gerada pela decisão do Carrefour na França de interromper a compra de carne do Mercosul expôs tensões comerciais e políticas entre a União Europeia e os países sul-americanos, especialmente o Brasil. Essa medida, tomada em resposta a pressões de agricultores franceses contrários ao acordo de livre comércio entre os blocos, trouxe consequências econômicas significativas, com frigoríficos brasileiros suspendendo o fornecimento de carne ao Carrefour no Brasil.
Em fato relevante divulgado no dia 26/11, a companhia decidiu retomar o cronograma de entregas de produtos de carnes bovinas.
Por que o Carrefour decidiu interromper a compra de carne do Mercosul?
A decisão foi anunciada pelo CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, que afirmou que a rede varejista deixaria de comercializar carnes do Mercosul em suas lojas francesas. Segundo ele, a medida reflete a preocupação com questões ambientais, como o desmatamento na Amazônia, e busca atender aos apelos de agricultores locais que se opõem à importação de produtos sul-americanos.
Os agricultores franceses alegam que a competitividade dos produtos do Mercosul, principalmente carne bovina, aves e açúcar, representa uma ameaça ao setor agrícola europeu. Essa oposição também é reforçada por temores sanitários, embora o Brasil seja reconhecido internacionalmente pelos altos padrões de controle de qualidade e sanidade na produção de alimentos.
A decisão do Carrefour na França foi recebida como um movimento estratégico para reforçar o compromisso do governo francês com a agricultura local, em um momento de forte pressão política sobre o presidente Emmanuel Macron.
Reações no Brasil: boicotes e pressão sobre o Carrefour
A medida tomada na França gerou uma forte resposta no Brasil, especialmente no setor agropecuário. Frigoríficos brasileiros como JBS, Marfrig e Masterboi anunciaram a interrupção do fornecimento de carne às unidades do Carrefour no Brasil. Isso inclui supermercados Carrefour, atacadistas Atacadão e lojas Sam’s Club, marcas pertencentes ao grupo.
Além disso, entidades como a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp) convocaram seus associados a boicotarem as redes do grupo Carrefour, em uma demonstração de repúdio à decisão. A interrupção do fornecimento já atinge cerca de 150 lojas no Brasil, segundo apuração de veículos de comunicação.
O impacto foi sentido também na Bolsa de Valores. As ações do Carrefour Brasil registraram queda de 5% no início da semana, embora tenham recuperado parte das perdas no final do pregão.
Qual o impacto financeiro e comercial para o Carrefour?
Os frigoríficos representam uma parte significativa da cadeia de abastecimento do Carrefour Brasil. Estimativas indicam que as vendas de carne bovina correspondem a 5% do total das vendas do segmento de atacarejo, sendo que o Atacadão, principal marca do grupo no Brasil, é responsável por 70% da receita local.
Além disso, proteínas animais como um todo — carne bovina, aves e suínos — representam aproximadamente 10% das vendas totais do Carrefour no Brasil, o que torna esses produtos essenciais para atrair consumidores às lojas.
Apesar das dificuldades, analistas financeiros acreditam que o impacto no abastecimento será limitado no curto prazo, pois a rede varejista já conta com estoques suficientes para atender à demanda durante o quarto trimestre de 2024.
O papel do acordo Mercosul-UE na crise
A crise ocorre em um momento delicado para as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Esse acordo, firmado inicialmente em 2019, busca reduzir barreiras tarifárias entre os blocos, facilitando o comércio de produtos agropecuários, industriais e serviços.
No entanto, o acordo enfrenta forte oposição de agricultores europeus, especialmente na França, que veem o Mercosul como uma ameaça à competitividade de seus produtos. Além disso, questões ambientais, como o desmatamento da Amazônia, são frequentemente usadas como argumentos para atrasar a ratificação do pacto.
No Brasil, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defendeu o boicote dos frigoríficos ao Carrefour, alegando que a decisão francesa é protecionista e desrespeita os padrões seguidos pela pecuária brasileira. “Se não querem comprar carne brasileira na França, também não deveriam comprá-la aqui”, afirmou Fávaro.
Como o Carrefour está lidando com a crise?
Em resposta à crise, o Carrefour Brasil divulgou um comunicado negando qualquer desabastecimento de carne em suas lojas. A empresa destacou a confiança no agronegócio brasileiro e se comprometeu a retomar o abastecimento de forma plena.
Ao mesmo tempo, o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, solicitou um encontro com o ministro Carlos Fávaro para tentar mediar a crise.
Carrefour pede desculpas e reafirma compromisso com carne brasileira
Após polêmica declaração sobre a qualidade da carne do Mercosul, o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, enviou uma carta ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, pedindo desculpas e reconhecendo a excelência da produção brasileira. No texto, Bompard reafirma o compromisso do Carrefour com os produtores locais, destacando os investimentos no Brasil e a importância da parceria com o setor agropecuário nacional, reforçando que a comunicação na França não refletiu a postura do grupo em relação ao mercado brasileiro.
A sustentabilidade e os interesses comerciais em jogo
Embora a decisão do Carrefour na França tenha sido apresentada como uma questão ambiental, especialistas apontam que ela está diretamente ligada à pressão política e comercial. A suspensão das compras de carne do Mercosul parece ser uma forma de ganhar apoio de agricultores franceses em um momento em que o governo Macron enfrenta dificuldades para ratificar o acordo comercial entre os blocos.
Por outro lado, a crise expõe a dependência de grandes redes varejistas, como o Carrefour, do agronegócio brasileiro, que é um dos maiores exportadores de carne do mundo. Esse conflito reforça a necessidade de equilibrar demandas por sustentabilidade com a realidade econômica do setor.
Conclusão: uma crise de múltiplas dimensões
A crise entre o Carrefour e o setor agropecuário brasileiro vai além de uma simples interrupção de fornecimento. Ela revela tensões entre interesses ambientais, políticos e econômicos que envolvem não apenas o Brasil e a França, mas também o futuro do comércio global entre Mercosul e União Europeia.
Enquanto frigoríficos, governo e varejistas tentam encontrar uma solução para os impasses atuais, a situação destaca a importância de um diálogo transparente e equilibrado entre as partes. No centro dessa crise, consumidores e produtores aguardam com expectativa os desdobramentos que poderão moldar as relações comerciais nos próximos anos.
Além dos fundamentos que não nos agradam, Carrefour/Atacadão (CRFB3) se mantém como uma das companhias que não recomendamos para investimento.
Postado originalmente por: Nord Research