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Os sete erros que salvaram o Brasil

No texto a seguir traçarei um pré-esboço de um roteiro para uma nova série do Netflix que, se realmente filmado, tenho certeza de que obterá uma boa audiência, a menos que a platéia o abandone logo no início por considerá-lo absolutamente inverossímil. Para prevenir esse contratempo, cada capítulo poderá ser aberto com uma frase “baseado e fatos reais“.

Há males que podem se transformar em bem. Dessa forma, cabe uma pergunta: quantos erros são necessários para perfazer um acerto?

Nosso enredo tem como primeiro erro a oportunidade em que o PTB resolve indicar o descuidado Maurício Marinho para arrecadar propinas nos Correios para o partido. O prolixo Marinho é flagrado em um vídeo expondo todo o esquema e comprometendo o presidente do partido Roberto Jefferson.

O escândalo ganha corpo, induz à criação da CPI dos Correios, e provoca o segundo erro quando o PT acredita que Jefferson poderá se prestar mansamente a servir de boi de piranha, para que a manada do governo passasse ilesa. No estridente petebista afloram os “mais primitivos instintos” e ele se enrola no pescoço de José Dirceu para não se afogar sozinho. Deu no mensalão.

À época Dirceu era o todo-poderoso “primeiro-ministro” de Lula, e o plano era que o sucedesse após seus oito anos de mandato. Para onde teria ido o Brasil se Marinho não acendesse o pavio da bomba que explodiu a pretensão de Dirceu e Lula?

A saída de cena de Dirceu provocou o terceiro grande erro: com receio de alimentar uma cobra que o picasse futuramente, Lula resolveu não promover um político do PT com alguma expressão para sucedê-lo, acreditando que poderia eleger um fantoche qualquer, ou poste, e continuar mandando por trás dos panos. Passados os quatro anos atrás das cortinas, certamente ele voltaria para mais oito no centro do palco. Sua escolha recaiu em Dilma, afinal sua conhecida, nos círculos internos, “grande inteligência” a credenciava a perfeita marionete, além de que eleger a primeira mulher presidente do Brasil tinha um grande apelo popular. Para tanto, nomeou-a como “mãe do PAC” e a taxou de supergerentona.

Lula só não contava com o quarto grande erro daí decorrente: Dilma, e só ela, acreditou nele e se julgou realmente a gerentona que poderia tocar o Brasil sem se submeter totalmente aos mandos do padrinho. Incomodava a presidentA a presença de Gilberto Carvalho na Casa Civil, os braços e olhos de Lula no governo, que constantemente lhe cobrava submissão ao chefão.

Dilma vislumbrou oportunidade de sua alforria quando Lula foi enredado no escândalo de sua amante Rosemary. Imediatamente ela mobilizou recursos para recolher as provas do caso. Gilberto Carvalho tentou brecar a investigação, mas Dilma o tratorou e foi até o fim, obtendo um dossiê que certamente lhe seria útil.

Em 2014 estava tudo arranjado para o “Volta Lula”, e o PT agendou uma reunião de sua executiva para escolher seu candidato à sucessão de Dilma. Além do coro dos presentes que aguardavam a chegada da presidente e do chefão, as paredes estavam repletas de cartazes “Volta Lula”. Porém, antes do anúncio do escolhido para disputar a sucessão, que seria proferido pelo próprio Lula, o quinto erro se apresentaria. Dilma o convidou para uma conversa a sós em uma sala reservada. Dizem as más línguas que ela mostrou ao chefe uma volumosa pasta com a foto de Rosemary na capa, mas não havia ninguém lá, além dos dois, que pudesse confirmar esse fato. O certo é que Lula saiu de lá e imediatamente comunicou que para a sucessão de Dilma o PT havia escolhido a própria. O coro se calou e os cartazes foram recolhidos das paredes!

Fico aqui imaginando como estaríamos vivendo agora no Brasil caso Dilma não fosse tão turrona e cabeça-dura! Lula teria sido eleito em 2014 e em 2018 talvez sequer tivéssemos eleições!

Livre, leve e solta, Dilma foi reeleita para mais quatro anos do que ela julgava ser um governo, mas todos, inclusive o PT e Lula, tinham certeza de que seria uma catástrofe. Para não correr nenhum risco, mas se configurando como o sexto erro, foi escolhido o presidente do PMDB, Michel Temer, para ser o vice, afinal o PMDB é aquele partido que esteve em todos os governos pós-redemocratização sem nunca ter sido eleito.

Sem deixar que suas impressões digitais ficassem registradas em qualquer cena, Temer ajudou a eleger seu sócio-oculto Eduardo Cunha presidente da Câmara, em franca oposição a Dilma. Tudo estava armado para que o PMDB assumisse o controle, pois Dilma a cada dia dava mais e mais razões para ser impichada. Esse fato não chega a se constituir em um erro, pois o plano correu como fora traçado.

No entanto, Temer se incumbiu de cometer o sétimo erro, e que acabou por transformar toda essa novela em uma excelente oportunidade para o país.

Na composição de seu ministério se, ao invés da fazer política da única forma que ele sabia cooptando parceiros enrolados e levando o toma-lá-dá-cá aos limites do escárnio, Temer houvesse escolhido pelo menos a metade dos ministros entre técnicos com amplo conhecimento e competência, além de passado ilibado, teria trazido para si toda a força popular que enxotara Dilma. Teria conseguido fazer várias reformas, mesmo que meia-boca, e hoje poderia estar ainda sentado na cadeira do Planalto. Nem Janot talvez tivesse peito para explorar os diálogos sombrios de Temer e Joesley nos porões do Jaburu. Estaríamos inaugurando 2019 com a perspectiva de mais quatro anos sob a batuta de Temer. Dá até pra tremer!!!

Ainda bem que essa sucessão de erros aconteceu, e hoje temos uma oportunidade histórica de começar a realmente arrumar a casa. Ela criou o ambiente para que acontecesse uma renovação de quase 50% do Parlamento e fosse eleito um presidente com planos ambiciosos de combate à corrupção e ao crime organizado, reformas estruturantes, profunda redução do inchaço do Estado e fortalecimento da segurança jurídica.

Bem.

Nesse início de 2019 a maioria da população brasileira acredita que chegamos a um final feliz dessa série. Só esperamos que Bolsonaro não dê início uma nova fieira de erros, mas seja como for, o Netflix sempre poderá produzir uma nova temporada.

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é engenheiro mecânico e analista de sistemas. Atualmente é diretor do Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista constantemente convidado nas programações da TV Candidés e da Minas FM.