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O político Sergio Moro

O que poderiam ter em comum o ex-juiz Sérgio Moro e o quase ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira? Se o assunto embrenhar para a área da legalidade e moralidade, não será lá muito favorável ao parlamentar. Se o olhar se voltar para a política, o consenso geral é que Eunício engoliria Moro sem mesmo arranhar a garganta.

Quando o presidente do Senado lançou mão de artifícios do Regimento Interno do Senado para apressar e aprovar o insidioso aumento dos ministros de STF, ampliando substancialmente o rombo do Orçamento que Bolsonaro terá que tapar, muitas vozes vieram a público proclamar que o parlamentar havia dado uma lição de política à administração que logo seria empossada.

O próprio Moro inúmeras vezes alegou que não pretendia ser um político, e por isso foi muito atacado quando aceitou o convite para chefiar o Ministério da Justiça. Assim, atendo-nos a esses dois assuntos, legalidade e política, a comparação entre os dois personagens poderia mostrar um empate de 1 a 1.

No entanto, retrocedamos alguns anos para uma análise. Quando a Operação Lava Jato foi deflagrada contra operadores financeiros e, por consequência e acaso esbarrou no calcanhar de vidro de Paulo Roberto Costa, o juiz de Curitiba sentiu um cheirinho de mãos sujas que lhe lembraram a “Mãos Limpas”. Aprofundando um pouquinho as investigações, em um ou dois desdobramentos da operação, Moro já foi capaz de se conscientizar de que as semelhanças com aquela famosa investigação italiana eram bem mais profundas que apenas um leve odor.

Profundo estudioso das ações, desdobramentos e consequências da “Mão Limpas”, ele sabia que iria esbarrar em poderosas resistências e que, para conseguir um mínimo de eficiência em seu trabalho, haveria de ganhar e manter a seu lado a opinião pública. Como um exímio enxadrista, então, planejou meticulosamente todas as suas jogadas futuras e os possíveis contragolpes que receberia. Consciente de que um mero juiz federal de Curitiba não teria forças para avançar muito, planejou amealhar reforços em níveis superiores para sua causa. O primeiro peão de seu tabuleiro que ele utilizou foi dar publicidade total aos processos e inquéritos. A população precisava saber que estava sendo violentamente garfada para poder reagir!

Quando tentou um lance um pouco mais ousado, com objetivo de perscrutar a reação dos tribunais superiores, recebeu o contragolpe de ordens de soltura dos encrencados que havia mandado recolher nas celas da PF, e percebeu que seus reforços iriam apenas até a segunda instância. Imediatamente reestruturou totalmente sua estratégia de jogo, passando a proibir depoentes e colaboradores a citar nomes de políticos com cargos, concentrando sua atenção aos que não detinham foro privilegiado.

Com essa nova abordagem em sua atuação conseguiu transmitir aos poderosos a imagem de que ele se contentaria em conseguir o que o julgamento do mensalão já havia atingido, condenar a 40 anos de xilindró uma peça secundária da engrenagem – Marcos Valério – enquanto os motores do sistema pagavam penas brandas ou eram indultados. Assim, teve o caminho desobstruído para ir atrás dos executivos das empreiteiras e, quando conseguiu colocar quase todos eles atrás das grades, virou herói nacional.

Quando o jogo foi se estendendo e as peças menores já haviam sido sacrificadas, surgiu a possibilidade de que levasse um xeque mate com a nomeação de Lula ao ministério de Dilma. Como todo bom jogador, e também como político que deseja ampliar seu poder, soube fazer uma jogada arriscada, porém tão inesperada pelo oponente que lhe mantivesse na defensiva por algum tempo. Arriscou a rainha de seu xadrez e ambas as torres, assim como toda a sua carreira, divulgando o diálogo de Lula com a presidente Dilma que expunha todo o conchavo deles para brecar a Lava Jato. Pelo ineditismo da ousadia, os oponentes não tiveram tempo e recursos para derrubar a rainha de Moro e lhe forçar a receber o cheque mate. Mal conseguiram tomar-lhe um cavalo quando Teori decidiu retirar aquelas gravações dos autos dos processos.

Com jogadas assim, Moro conseguiu não só manter a opinião pública a seu lado, mas a transformar-se em um incômodo difícil de ser removido pelos que detinham o Poder e altas togas. Não há como negar que todo esse intrincado xadrez de Moro por todos esses anos alavancou a candidatura do único candidato a presidente que se mostrou realmente disposto e capaz de peitar o establishment. Moro ajudou a eleger Bolsonaro? É evidente que sim, mas seus planos não tinham um nome para presidente, e sim um perfil.

Com a nomeação a ministro da Justiça, Moro conseguiu exatamente o que desejava, ou seja, transformou o limitado juiz de primeira instância no detentor dos rumos jurídicos do país, ganhando poder para propor e influenciar mudanças na legislação, direcionar investigações e recomendar futuras nomeações às Altas Cortes e a órgãos de controle.

Voltando a Eunício, sua política de espezinhar a administração Bolsonaro, além de garantir indevidas benesses a si próprio como ex-senador que será em fevereiro, foi mesmo bem sucedida. No entanto mostrou-se como uma política de curto alcance, como sempre é a política do olho no próprio umbigo. Em pouco tempo tudo o que conseguiu poderá, e será, revertido e ele próprio ainda estará sujeito a prestar contas à Justiça.

Aí está a diferença entre o político Eunício e a Política de Moro. A do parlamentar é a curta e rasteira, como coice de porco, pois sempre visa o benefício próprio, ou de apaniguados ou de financiadores de suas campanhas, enquanto que a Política de Moro é a que visa reais benefícios para a sociedade, sendo de longo prazo e de efetiva duração.

Essa é a Política que nossos políticos já não sabem mais fazer, pois desde a redemocratização as mesmas raposas têm se revezado nas posições de comando, sempre objetivando manter-se no Poder, mesmo que as custas da sociedade. Essa é a Política que os novos eleitos precisam reconquistar e aplicar.

Concluindo, fica a pergunta: afinal, Moro é ou não um Político? Sabe ou não fazer o jogo Político? Se a resposta for sim, precisamos rever o placar de 1 a 1, e se for não, mantê-lo. Particularmente, minha opinião é que o ex-juiz é sim um Político. E dos melhores.

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é analista político, administrador de empresas e, atualmente, diretor da Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista constantemente convidado nas programações da TV Candidés e da Minas FM.