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Finanças: Vamos TODOS pro pau?

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Deixemos de lado os tapinhas nas costas e o jogo ensaiado e falemos francamente sobre os conflitos da indústria

Olá. Ricardo aqui.

Não é meu dia habitual de escrever neste espaço, mas há coisas que simplesmente não podem esperar. Se, talvez, deixasse para segunda-feira, a mensagem seria amortecida pelo decurso do tempo — e isso não necessariamente seria no melhor interesse dos leitores e leitoras destas parcas linhas.

O título deste artigo é uma alusão à recém-lançada campanha de reposicionamento do segmento de alta renda de um dos mais tradicionais bancos do país. Sim, aquele mesmo.

Era tudo pelo seu bem

A narrativa? Segundo eles, corretoras passaram os últimos anos pregando a desbancarização sob alegação de que os produtos de investimento oferecidos pelos bancões são ruins; que gerentes estão mais preocupados com o atingimento de metas (leia-se empurrar título de capitalização para velhinhas) do que prover soluções que atendam aos anseios dos clientes… e por aí vai.

Continuam: essas afirmações seriam injustas e serviriam para encobrir o fato de o modelo de remuneração dos assessores de investimento ser imiscuído de conflitos de interesse — fazer o cliente girar a carteira, oferecer produto com maior rebate, etc.

E arrematam: o coronacrash teria sido a prova de que eles, sim, sempre estiveram ao lado do cliente, ao não embarcar no oba-oba da bolsa, ao contrário dos "irresponsáveis assessores de investimento".

Sim, meu amigo e minha amiga: é para proteger você que o gerentão oferece aquele PIC e aquele fundo que rende 80 por cento do CDI. Agora tudo faz sentido…

O roto falando do rasgado

Eu confesso que achei tudo muito engraçado: o tal banco, tão indignado com o modelo de negócio das corretoras, detém quase metade do capital da maior corretora do País. E este fato levantou, justificadamente, suspeitas sobre a sinceridade da campanha. Cheiro de jogo de cena no ar.

Mas deixemos de lado a intenção de quem fala e foquemos no teor do discurso. O que temos? É o roto falando do rasgado.

Tudo o que sempre foi dito pelas corretoras com relação aos bancões é a mais pura verdade. A experiência de ser cliente de qualquer um dos bancos atuantes no Brasil é de ruim a péssima. A cada dia que passa as tarifas se mostram mais injustificáveis. Os produtos de investimento são, na sua maioria, abaixo da crítica. E os gerentes se valem, sim, da falta de conhecimento financeiro da maioria do público para empurrar produtos injustificáveis.

Se você tem alguma dúvida disso, fique por perto de uma senhorinha de 89 anos e cometa a indiscrição de prestar atenção no papo dela e do gerente.

“Ah, mas isso é exceção!” — muitos dirão. Se nós, aqui da Nord, resolvêssemos publicar todas as exceções que já nos foram relatadas por leitores, seriam tomos e mais tomos. E isso é evidência de que o fenômeno não se trata do mau-caratismo de uma minoria. Pelo contrário: é uma legião de funcionários de banco que acredita que só está fazendo o seu trabalho, respondendo a uma ardilosa teia de incentivos errados.

E quem perde é o cliente.

Então que tal, antes de posarem de paladinos da virtude, olharem para dentro de casa?

E tem, também, o outro lado

Mas engana-se quem pensa que eu vou parar por aqui. Tem o outro lado.

Tudo o que está sendo dito, agora, pelos bancões com relação às corretoras também é a mais pura verdade.

Tal qual as queixas que recebemos dos bancos, os relatos de conduta questionável dos assessores de investimento também dão pano para manga.

Mais uma vez, o modelo é ruim e qualquer criança de 5 anos enxerga isso: a partir do momento em que a remuneração do sujeito está vinculada, fundamentalmente, ao volume financeiro que ele gira e às comissões sobre os produtos de terceiro que ele coloca junto à sua carteira de clientes — com diferentes produtos oferecendo diferentes comissões —, beira o óbvio que o negócio se perverta.

Meu assessor “administra” minha carteira — e toma-lhe giro em cima de giro; corretagem em cima de corretagem. Fundo A ou Fundo B? O A paga mais rebate, então a gente oferece primeiro o A.

Aliás, os critérios para inclusão de fundos nas plataformas das corretoras rende um capítulo à parte. E todo mundo sabe disso; só não fala a respeito.

Aliás: se tão somente publicássemos as ameaças que deles recebemos a cada vez que mencionamos os conflitos de interesse da indústria, já dava bastante coisa. “Vou fazer meus clientes cancelarem a assinatura de vocês” — pois faça: eu vou fazer o seu cliente saber que você não quer que ele saiba como a sua indústria funciona.

O mais fantástico é que, questionados, se fazem de ofendidos: eu não ajo assim com meus clientes.

Mais uma vez: o fato de você ser o alecrim dourado dessa indústria não muda o fato de a estrutura de incentivos que nela predomina ser esta. E ninguém se propõe a rediscutir isso.

E são vocês que querem ir pro pau? Apontando os defeitos um do outro sem se olharem no espelho?

Façam-me o favor!

E por falar em espelho, que tal discutir a ética por trás da criação de fundos espelhos para evitar a portabilidade do cliente para outras corretoras? É no melhor interesse do cliente também?

Sem falar na exigência de documentos com firma reconhecida em cartório (em pleno 2020!) para liberar a mudança de custódia das ações de um cliente?

Quem ama bloqueia?

Liberdade sempre fica bonito nas propagandas, mas na prática, a história é outra.  

Não para por aí

Se é pra ir pro pau, então vamos todos pro pau. Bancos e corretoras não detêm o monopólio dos conflitos de interesse e práticas questionáveis da indústria.

Gestores de fundos de investimento.

Vamos falar abertamente sobre taxa de administração e de performance? O “2 com 20” alinha interesse com o cliente ou é a mais bem engendrada máquina de transferência de renda do mercado?

E as eternas peripécias de encerramento, incorporação e relançamento de fundos que performam mal — e que levarão dois séculos e meio para voltar à marca d’água —, é no melhor interesse do cotista?

Aquelas aberturas de janelas de captação quando a cota está nas alturas — e quando o fundo, a julgar pelo discurso, já atingiu o capacity centenas de milhões de reais antes — são no interesse de quem?

Ali em cima eu falo da farra dos rebates com as plataformas de distribuição. A pergunta é… por que vocês, gestores, não falam?

E engana-se quem pensa que eu chegarei ao fim dessa mensagem fingindo que eu não tenho nada com isso também…

Researches independentes.

Faz sentido para o cliente que vocês ofereçam 52 assinaturas diferentes? Ou isso só faz sentido comercial para vocês?

E os históricos de preços de entrada e saída nas recomendações que nenhum cliente conseguiria replicar, mas que garantem, depois, um track record que fica bonito na carta de vendas?

O marketing funciona melhor quando o mercado está barato (e seria o melhor momento do cliente investir) ou quando o William Bonner está anunciando recordes da bolsa e o mercado já entrou no jogo do caro que pode ficar mais caro? E como isso afeta a forma como vocês oferecem os produtos?

E as campanhas de marketing simultâneas com teor oposto? Para metade da base, “compre ouro porque o mundo vai acabar”; para a outra “este é o início do maior ciclo de multiplicação de capital da história da humanidade”. Vamos fingir que isso não existe?

E as vendas de assinaturas travestidas de “receba um livro grátis”? Até quando vamos fingir que quem as elabora sabe que a maioria dos clientes não entende a mensagem corretamente — e isso é conveniente para os negócios?

Todos têm culpa no cartório

Ninguém no mercado está imune a conflitos de interesse e práticas questionáveis. Não obstante, o ecossistema tem dois modos básicos:

Quando todo mundo está ganhando dinheiro (seja junto com ou às custas do cliente), todo mundo é amigo. É tapinha nas costas de todo mundo — com eventuais carícias nos glúteos dos que pagam a conta dessa brincadeira toda.

O cinismo e hipocrisia do tal “Fintwit” em tempos de bull market me enoja.

Eis que o caldo entorna e o mercado azeda: aí é um apontando os defeitos do outro enquanto posa de paladino da virtude.

É banco se fazendo de santo contra corretora; é corretora vestindo asa e auréola contra banco. É research se fazendo de isento — como se a independência com relação a qualquer instituição financeira garantisse, per se, isenção — e gestor de recurso, no meio desse furdunço todo, tentando descobrir onde está mais vantajoso de oferecer seu fundo.

É fácil apontar os defeitos do outro. Quero ver enxergar — e reconhecer, abertamente — os próprios problemas.

Vamo pro pau?

Vamos TODOS pro pau. Sem cinismos, sem hipocrisias, sem narrativas parciais.

Porque quem ganha é o cliente. Quem ganha é o sistema. Mas envolve, sim, cada um abrir mão de um pouco de seus interessezinhos — ou, pelo menos, deixá-los às claras.

Tá tudo errado? Pois bem: é assim que se começa a mudar as coisas.

Nossa live de hoje será dedicada a isso: queremos falar abertamente sobre os conflitos da indústria. Bancos, corretoras, gestoras de recursos e — sim — researches independentes. Inclusive a Nord.

Nós queremos tudo em pratos limpos.

Quem mais quer?

Postado originalmente por: Nord Research