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Finanças: Um passo antes – Parte II

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A caça ao próximo unicórnio

Promessa é dívida, então hoje vou contar o que aconteceu com a sorveteria do Seu Zé.

Como falei semana passada, Seu Zé estava com uma dúvida tremenda: após dois anos de grande esforço, seu trabalho rendeu bons frutos e agora, com quatro unidades e alguns milhões em faturamento, seria hora de se aposentar e aproveitar a vida, ou de expandir ainda mais os negócios?

O meio

Depois de muito pensar, Seu Zé considerou que seu amor pelo sorvete era maior do que o desejo de passar o resto dos seus dias pescando. Então, o melhor a fazer era dar continuidade ao seu sonho e assim seguir expandindo seu negócio.

Visto o bom momento da sorveteria — agora com quatro unidades e alguns milhões em faturamento —, Seu Zé sonha grande, muito grande. Não basta apenas seguir abrindo uma unidade aqui ou alí; chegou a hora de expandir para outras cidades e, quem sabe, ofertar franquias do seu negócio.

Porém, como na vida de empreendedor nada é fácil, ele se vê novamente “amarrado” ao fato de não possuir recursos suficientes para realizar essa sonhada expansão. Da última vez, Seu Zé recorreu a um investidor amigo de um familiar. Neste momento, porém, ele precisa de alguém que possua boa experiência na vida dos negócios para ajudá-lo na profissionalização da gestão da empresa — implementação de processos, controle de custos, remuneração baseada na meritocracia, entre tantos outros pontos.

O mesmo investidor que lhe ajudou tempos atrás concluiu que, dessa vez, não tinha como contribuir com a nova fase do negócio. Mas ele conhecia algumas pessoas no mercado financeiro que faziam a gestão de um fundo de investimentos em participações.

Entusiasmado, Seu Zé procurou essas pessoas. Foram muitas e muitas reuniões, conversas, apresentações, números examinados de cima a baixo… até conseguir convencê-los de que o negócio tinha grande potencial e que juntos poderiam transformar a percepção das pessoas sobre o sorvete. Obviamente, nada é de graça nesse mundo: Seu Zé teve que, novamente, abrir mão de um pedaço da empresa em troca do capital e da experiência.

A esse terceiro estágio damos o nome de Private Equity. Normalmente se tratam de pessoas com grandes fortunas ou fundos de investimentos, que buscam empresas em bons mercados, com bons produtos, já com histórico de execução… mas que muitas vezes precisam daquele empurrão na profissionalização e gestão do negócio.

Lá se vão mais alguns anos…

Agora Doutor José — como é chamado pelos seus funcionários — tem grande orgulho da rede de sorveterias que conseguiu construir ao longo da última década. Nem parece que tudo começou naquela garagem.

Ele olha para trás e vê que o caminho não foi fácil. Teve que confiar em muitas pessoas e abrir mão de boa parte de sua participação na empresa para chegar onde está hoje… mas valeu muito a pena!

O fim

Nem somente de sonhos vive o homem — muito menos os investidores.

O fundo de investimento que comprou a participação na sorveteria do Doutor José investiu, além do capital, tempo e recursos humanos na empreitada. Agora, diante do sucesso do negócio, percebe que trata-se de uma empresa madura o suficiente para o próximo passo: o IPO.

Apesar de nunca ter imaginado ter sua empresa listada na bolsa de valores, Doutor José entende a necessidade de todos que acreditaram no seu sonho — o fundo de investimento e os outros investidores — apurarem os lucros e seguirem seus caminhos, seja por meio do investimento em outras empresas, seja simplesmente aproveitando a vida com a pequena fortuna amealhada.

Em poucos meses todas as tratativas são cumpridas e, finalmente, a sorveteria do Seu Zé estreia na bolsa de valores, negociada sob o ticker SORV3. Foi um primeiro dia de negociações estupendo: as Ações subiram muito e todos estão realizados.

Expectativa versus Realidade

Obviamente utilizei, de maneira bem simplista, a figura do Doutor José e sua sorveteria para ilustrar como é longo e, na maioria das vezes, difícil e tortuoso o caminho de transformar um sonho em realidade — e a realidade é muito diferente da expectativa.

São muitas as figuras envolvidas no processo. No exemplo, foram destacados aqueles que contribuíram com maior relevância (do ponto de vista financeiro) para a jornada de Seu Zé — desde o primeiro familiar que lhe emprestou dinheiro, até o fundo de investimento que realizou lucro por meio da listagem da empresa na bolsa.

A ilustração abaixo é bem didática ao resumir os principais estágios de financiamento na história de uma empresa que alcança o IPO.

Fonte: Capital Aberto

Os últimos anos foram de grande disponibilidade de recursos para empreendedores brasileiros — a moda do momento é ter sua própria startup, assumindo o papel de CEO, CFO, CIO, CSO e tantos outros C´s que as pessoas possam imaginar.

Dados de um levantamento feito pela Distrito Dataminer mostram que, em 2019, foram injetados na economia brasileira 2,7 bilhões de dólares em forma de capital para startups, enquanto em 2018 o valor foi de 1,5 bilhão de dólares e, em 2017, de “míseros” 905 milhões de dólares. Trata-se de um céu de brigadeiro para essas empresas.

Ao mesmo tempo surgiram plataformas de investimentos, que oferecem pela internet a possibilidade de qualquer pessoa investir em uma empresa iniciante.

Nos últimos meses, não foi incomum ver centenas de pessoas, cada uma com alguns milhares de reais, financiarem milhões para companhias que, em muitos casos, não possuem mais do que uma ideia no papel.

O sonho de fazer parte do próximo unicórnio leva tais pessoas a comprarem pequenas participações em empresas que, além de iniciantes, são de capital fechado. As estatísticas sugerem que a maioria delas vai “quebrar” e são raras as que chegarão, um dia, ao mercado de capitais.

E agora? Como você vai ter seu dinheiro de volta e apurar seu sonhado lucro? Fica a questão.

Um outro mundo

Quando falamos que, no ano passado, investidores aportaram 2,7 bilhões de dólares em startups no Brasil, à primeira vista parece muito dinheiro — ainda mais considerando que, não muito tempo atrás, as pessoas na terra brasilis sequer sabiam o significado da palavra startup.

Então deixa eu te contar que, no ano passado, foram investidos 295 bilhões de dólares ao redor do mundo, em rodadas que vão desde o investimento anjo até o estágio de private equity. Nos últimos 10 anos, o montante chegou a 1,5 trilhão de dólares, segundo dados do Crunchbase.

O mundo dos investimentos oferece algumas boas oportunidades de tempos em tempos. Parece-me que atualmente, no Brasil, tudo é motivo para alegria (ou até mesmo euforia) quando falamos de investimentos — a palavra do momento.

Em países como os Estados Unidos, as indústrias de Venture Capital e Private Equity remontam aos anos 50. São décadas de história e desenvolvimento do mercado de capitais. Já no Brasil, apenas na década de 90 conseguimos lidar com o problema da inflação. Levará um bom tempo até atingirmos algum nível de desenvolvimento.

Na verdade, o mercado brasileiro é muito pequeno em relação ao resto do mundo.

Já pensou nessas pessoas que estão investindo seu rico dinheirinho em empresas que não passam de ideias ou protótipos, levadas pela fantasia do próximo unicórnio? Como e quando elas irão ter seu capital de volta?

Não há liquidez alguma nesse tipo de investimento — a menos que a companhia, um dia, venha a ser vendida para outra empresa ou acesse o mercado de capitais através de um IPO.

Quem não busca se informar, aprender e entender no que está investindo pode estar levando gato por lebre. Todo cuidado é pouco quando estamos falando de investimentos de alto risco, como os comentados acima.

Dinheiro não aceita desaforo!

Postado originalmente por: Nord Research