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Finanças: Não se deixe contagiar

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O futuro próximo da Bolsa não tem qualquer compromisso com o passado recente

Sobreviventes de Maio

Mercados apontam para um começo de junho azedo. Investidores adotam uma postura mais cautelosa, e motivos para tanto não faltam: para além das incertezas acerca do ritmo da retomada econômica pós-coronavírus, pesam situações políticas conturbadas aqui e acolá.

Nos Estados Unidos, Trump luta em duas frentes: enquanto Hong Kong coloca relações sino-americanas novamente em xeque, protestos locais sugerem que clima doméstico também não é dos melhores.

Por aqui, o noticiário político domina, com instabilidades nas relações entre os poderes e manifestações contra o presidente roubando a cena.

Madrugada nos mercados asiáticos foi um pouco mais tranquila, diante da percepção de que Washington pode não retaliar investidas chinesas sobre Hong Kong com a energia antes esperada. No front europeu, dia ameno com foco em indicadores econômicos animadores em meio à reabertura. Nova York, por sua vez, sinaliza cautela ante o potencial recrudescimento das relações comerciais Washington-Pequim.

Novos capítulos da trade war

Grandes estatais chinesas estariam interrompendo a compra de commodities agrícolas americanas — e, assim, escrevendo mais um capítulo da guerra comercial entre os países.

Trata-se de reação à disposição manifestada por Trump de impor novas sanções ao Gigante Vermelho em função de seu avanço sobre Hong Kong.

O histórico trumpiano não é de retrocessos à mesa de negociações — e Pequim sabe disso muito bem. Mesmo assim, a postura chinesa tem sido bem mais beligerante desde a eclosão da COVID-19 e dos questionamentos sobre a responsabilidade que o vírus rendeu.

Trump e Xi podem entrar em rota de colisão? É possível que sim.

Devagar e sempre

Em linha com o esperado, o encontro anual do Congresso Nacional do Povo foi marcado pelo abandono da meta de crescimento do PIB chinês para 2020. Entregaram os betes quanto à recuperação econômica? Longe disso.

O receituário é o tradicional, com forte apelo a investimentos em infraestrutura — não por acaso, hard commodities (como o minério de ferro) estão em níveis de preço bastante aprazíveis. A meta aberta, por outro lado, pode dar mais flexibilidade à recuperação sem a necessidade de recurso a expedientes que, o passado mostrou, acabam trazendo problemas estruturais depois. Exemplo? O afrouxamento desenfreado do crédito.

Mas como nem só de investimento doméstico é possível viver, Pequim também deve estar atenta à trajetória de recuperação no restante do mundo — variável importante para as exportações chinesas. Dados de atividade industrial de maio sugerem que, com compradores combalidos pelo coronavírus planeta afora, a entrada de novos pedidos em fábricas chinesas tem ritmo mais lento no curto prazo.

Contem-se os votos

Em terra brasilis, final de semana conturbado. Beligerâncias entre Executivo e Judiciário da semana passada adentraram sábado e domingo. Ontem, grupos pró e contra governo foram às ruas e houve pancadaria.

Nos bastidores, panos quentes frente à retórica tendendo à ruptura institucional e, por outro lado, reforços nos laços com a base alugada do famigerado centrão. Diante das investidas contra seu mandato junto ao Judiciário, o presidente se volta ao Legislativo visando contar com boa margem de segurança na hipótese de pedidos de seu afastamento chegarem a plenário.

Entre bravatas e protestos, pausa para contagem de votos favoráveis na Câmara.

O depois é agora

Levantamento do CNI sugere que cerca de 20 por cento das indústrias não conseguirão se manter pelos próximos 30 dias. E quase 50 por cento delas não suporta o ritmo atual por mais 90.

Se, quando da eclosão da pandemia, o consenso foi de que a economia a gente via depois, cabe-me informar que o depois chegou e precisa ser endereçado.

Para além do evidente problema de demanda, há outro — já abordado nesse espaço, aliás: para a maioria das pequenas e médias empresas, o crédito simplesmente não chegou.

O motivo é claro: seria irracional para os bancos arcarem com uma bela dose de risco adicional nesse momento.

Brasília busca (com bastante atraso, para ser franco) estruturar um pacote que socialize as perdas da elevação de inadimplência que, inevitavelmente, virá para que o dinheiro flua a quem dele precisa. Mas o tempo está passando mais rápido do que giram as engrenagens corroídas da nossa máquina pública.

E, evidentemente, os problemas internos do governo (estamos, aliás, há 15 dias com Ministério da Saúde vacante) e as relações conturbadas entre Poderes não ajudam nessa seara.

E você com isso tudo?

Maio desafiou a máxima do sell in May and go away. A julgar pelo desempenho bursátil, tudo está bem aqui e além-mar.

O tom desta newsletter pode até causar estranheza ao leitor. De fato, o curto prazo não me parece lá muito animador. Mas faço questão de enfatizar que não se trata, por outro lado, de um chamado à corrida para as montanhas.

Só, talvez, seja prudente não se deixar contagiar por excessiva ganância à luz de um maio atípico em todos os sentidos. Recuperamo-nos, sim. Mas o fizemos a partir de uma base de comparação ainda fraca.

Cuidado para não extrapolar o passado recente para o futuro próximo. Preços não têm esse compromisso — tampouco fundamentos.

A hora é de responsabilidade.

Postado originalmente por: Nord Research