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Finanças: Itaipava a 50 centavos

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Nem só de Sonhos Grandes se vive

Saudações.

Imagine o seguinte cenário: você devia estar contente porque conseguiu tudo o que quis, mas confessou, abestalhado(a), que está decepcionado(a). E então decidiu largar tudo e ir viver uma vida mais austera, na praia, em contato com a natureza, vendendo cerveja para os banhistas.

Sua rotina é simplíssima: você passa no supermercado, compra alguns packs de cerveja e gelo, enche seu isopor e sai pelo litoral.

Lá vai você encher o isopor: uma latinha de Heineken comprada a 3,50 será vendida por 6,00. Uma Skol comprada a 3,00 será vendida a 5,00. Uma Brahma comprada a 2,80 será vendida a 4,70 e assim por diante.

(Aqui eu me entrego: não deve ser difícil de imaginar que o barbudo não é o público-alvo do mercado em questão e, portanto, os preços acima são hipotéticos. Relevem e fiquem com o argumento, cuja validade não será prejudicado)

Aí você dá de cara com a Itaipava…

Veja bem: é praticamente consenso universal que Itaipava é uma porcaria. É a tranqueira que o seu primo leva para o seu churrasco e, na maior cara de pau, bebe suas Heineken. Também é consenso universal que a Terra é redonda — e, da mesma forma que existem os terraplanistas, certamente há de existir os que lerão esta mensagem e ficarão ofendidos porque acham Itaipava ótima. Tudo bem: vida que segue.

Só que é aniversário do supermercado, o gerente ficou maluco e quem ganha o presente é você: a bendita Itaipava está sendo vendida a 20 centavos a lata. Sim, vinte centavos.

E você, vendedor(a) da praia, sabe que há demanda pelo suco de milho podre a, digamos, 3 reais.

Se você compra Heineken a 3,50 e vende por 6, tem um lucro de 2,50 por unidade. Skol: 5 – 3 = 2,00. Brahma: 4,70 – 2,80 = 1,90.

Itaipava: 3,00 – 0,20 = 2,80.

O que você faz? Faz todo o estoque de Itaipava possível — não sem, provavelmente, também comprar um pouco de Heineken, Skol e Brahma… afinal, a despeito das menores margens de lucro, diversificar é bom.

Qual é o meu ponto aqui?

Itaipava é uma porcaria mas, no exemplo acima, é uma porcaria muito barata. E faz sentido comprá-la mesmo sem assumir que, de uma hora para a outra, ela virará a cerveja mais badalada do mercado brasileiro.

O mesmo, muitas vezes, se aplica a Ações.

Vejo, em muitos pequenos investidores, uma verdadeira sanha na crença de que encontraram empresas que enfrentam momentos de dificuldade e cujas Ações, por óbvio, estão descontadas. E que só conseguem se justificar nelas investir agarrando-se a teses mirabolantes de recuperação.

Exemplos de teorias:

Agora que os Stein assumiram a Via Comércio, a Empresa vai crescer vinte vezes mais que a Magazine Maria, comprar os Correios e se tornar a Amazon brasileira. E o banco digital vai ser maior e mais lucrativo que o Itabú — e é por isso que eu vou comprar.

Depois da aprovação do PLC a Olá vai ser vendida para a BT&T, que vai injetar 1 trilhão de dólares na Companhia e transformá-la na maior telecom do planeta, com operações nos cinco continentes e em Marte — e é por isso que estou comprado até as tampas.

O Presidente Biroliro vai liberar o porte de arma para todos os maiores de 5 anos e, com isso, as Forjas Leão vão virar a Ambev do revólver: vai ter até dispenser de pistola em banheiro de rodoviária — vou comprar como se não tivesse amanhã.

A isso chamo de Síndrome do Sonho Grande. Sim, é uma referência ao livro que conta a história do Lemann & Cia.

Pergunto: precisa? Será que essas teses só param em pé se ocorrer uma reviravolta radical nas respectivas empresas?

Ou será que, mesmo sendo ruim, comprar Itaipava a 20 centavos é um ótimo negócio?

O ponto é que, tal qual o gerente do supermercado em dia de aniversário da firma, o mercado às vezes também fica maluco e nos possibilita fazer uns deals assim.

Simplifiquemos a realidade mais uma vez: imaginemos que há, no mercado, dois tipos de empresas — as boas e as ruins — e que as Ações podem estar caras ou baratas.

Você terá, então, i) as empresas boas e caras; ii) as boas e baratas; iii) as ruins e caras e iv) as ruins e baratas.

De boas e caras, a Bolsa está cheia. Encontrar ruins e caras não é tarefa difícil em momentos de bull market. Boas e baratas são o sonho de qualquer um, mas relativamente raras.

Aí você tem as ruins e baratas. Na maior parte dos casos, elas são uma cilada só. Mas algumas — só algumas! — podem fazer sentido.

E fazem sentido sem a necessidade de se agarrar a uma tese transformacional: a empresa ruim pode continuar ruim (talvez ficar menos ruim), mas está tão barata que, pasme, faz sentido.

É a latinha de Itaipava a 20 centavos.

Moral da história: há casos em que pode fazer sentido comprar ações de empresas claramente ruins pura e simplesmente porque o preço está errado. Esse tipo de tese não depende de uma enorme reviravolta na empresa. Fuja dos discursos visionários de transformação — que, via de regra, são proferidos por anônimos em fóruns e sempre vêm acompanhados de afirmações do tipo a Ação vai bombar.

E, como disse lá em cima, não encha o carrinho só de Itaipava: você vai ter margens menores vendendo Heineken, Brahma e Skol, mas não significa que não estará, mesmo assim, fazendo bons negócios. Da mesma forma, não dedique todo o seu capital à próxima grande porrada da bolsa. Diversifique. Diversifique. Diversifique.

Mais pé no chão. Menos Sonho Grande — até mesmo porque a Ambev virou o que virou mesmo com as cervejas sendo uma bela porcaria.

 

Em observância ao Artigo 22 da Instrução CVM nº 598/2018, a Nord Research esclarece que oferece produtos contendo recomendações de investimento pautadas por diferentes estratégias e/ou elaborados por diferentes Analistas. Dessa forma, é possível que um mesmo valor mobiliário encontre recomendações distintas em diferentes produtos por nós oferecidos. As indicações do presente Relatório de Análise, portanto, devem ser sempre consideradas no contexto da estratégia que o norteia.

Postado originalmente por: Nord Research