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Finanças: Abuse e Use, mas recuse o IPO de C&A

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Um típico IPO de bull market, com preço simplesmente injustificável.

Cheiro de oportunismo no ar

Martelamos, bastante, sobre o bom momento para entrar ou aumentar sua participação em bolsa.

Na NORD, acreditamos que a partir do terceiro trimestre podemos começar a ver uma melhora mais acentuada nos resultados das empresas voltadas para o consumo interno.

O setor de varejo, especificamente, o varejo de moda, é um ótimo nicho para surfar a onda de recuperação econômica, a retomada da confiança e a queda do desemprego brasileiro.

Na esteira do sucesso do IPO (Oferta Pública Inicial) de Vivara (VIVA3), a subsidiária nacional da holandesa C&A – que dispensa apresentações – aproveita o bom humor no mercado financeiro brasileiro e está abrindo seu capital com o ticker CEAB3.

Mas, C&A tem margens menores do que seus comparáveis listados (inclusive com prejuízo acumulado nos últimos 12 meses) e múltiplos bem elevados para quem não demonstra tanto interesse em expansão.

Fonte: Nord Research.

O fato de que praticamente a totalidade dos 1,5 bilhão de reais (com base no preço médio da faixa indicativa de preços) ir, direta ou indiretamente, para outras empresas do controlador nos leva a crer que a abertura de capital é um movimento puramente oportunista.

Vamos olhar a varejista mais de perto.

C&A vs varejistas brasileiras

Os principais concorrentes de C&A, Lojas Renner (LREN3), Guararapes – dona da Riachuelo – (GUAR3) e Lojas Marisa (AMAR3) são empresas nascidas e criadas no Brasil, diferentemente de C&A, de mãe gringa.

Além de atuar no mercado brasileiro, a controladora de C&A está presente na Europa, México e China. Por conta disso, dentre as empresas de capital aberto no segmento, C&A será a única que está sujeita a um contrato de licenciamento para o uso de sua marca.

Este risco só a C&A possui.

No caso de algum descumprimento relevante, o contrato poderia ser rescindido e a empresa perderia o direito de utilizar a marca. Além disso, ainda precisa pagar royalties e taxas de licenciamento – quando dá lucro.

C&A é a quarta colocada no número de lojas, presente em 282 pontos espalhados pelo Brasil, e a terceira em market share, com um faturamento que superou os 5 bilhões no ano passado.

O varejo de vestuário movimentou aproximadamente 226 bilhões de reais em 2018, mas ainda se mostra bastante fragmentado. As grandes lojas de departamento são responsáveis por, apenas, 30 por cento das vendas.

C&A é focada em atender o público da "classe C", como a Marisa. Por isso, tem mais de 23 por cento de suas lojas no nordeste. Apesar da importância da região para companhia, todos seus 3 centros de distribuição estão localizados na região sudeste (dois em SP e um no RJ).

Outra peculiaridade de C&A é o fato de que 20 por cento de seus produtos vem via importação. Isto acarreta em custos com hedge (proteção cambial) e eleva o grau de complexidade no controle de estoque e impostos da empresa.

Assim como seus concorrentes, a empresa também oferece serviços financeiros, como cartões de crédito e empréstimos pessoais a seus clientes, por meio de uma parceria com o Bradesco (BBDC4).

A parceria é responsável por financiar 24 por cento das vendas da empresa, porém quem controla todas as políticas de financiamento e define os serviços financeiros oferecidos é o Bradescão.

Sem a financeira própria, como em Guararapes, o upside com um banco digital (disruptivo) da C&A fica menos provável.

Moda: IPO dando prejuízo

Mostrando que está de fato antenada com as últimas tendências da moda, C&A está importando para o Brasil uma prática comum no mercado americano atual: IPO de empresa que dá prejuízo.

Nos 981 milhões de lucros acumulados nos últimos 12 meses, estão inclusos 1,2 bilhão referentes ao crédito fiscal de PIS/COFINS reconhecidos em março.

Apesar de evoluir nos últimos 3 anos (informações disponíveis), a enorme evolução nos resultados de 2019, na verdade, mascara uma piora operacional da empresa.

No primeiro semestre, a empresa conseguiu crescer +3 por cento em sua receita com aumento da participação de eletrônicos e o grande volume de promoções. Em ambos os casos, sua margem bruta é menor do que o normal.

Enquanto isto, GUAR cresceu +6,2 por cento e LREN cresceu +14,7 por cento.

Somente AMAR, que ainda luta para se recuperar dos erros que cometeu com o posicionamento de sua marca nos últimos anos, cresceu +1,3 por cento.

Até a receita com comissões da parceria de serviços financeiros de C&A caiu -20 por cento, devido a menor taxa de juros e o menor apetite para concessão de crédito do banco parceiro.

Além de perder share de mercado, suas despesas administrativas (+8,7 por cento) e comerciais (+0,7 por cento) cresceram junto com a receita, o Ebitda ajustado (sem o efeito do crédito fiscal) cresceu apenas +2,6 por cento.

Com endividamento cada vez maior (a Dív. Líq./Ebitda já está em 3,4x), a empresa preferiu nem divulgar seu lucro líquido ajustado.

Melhor não expor que o prejuízo do 1S19 foi ainda maior do que o do 1S18.

O futuro é omnichannel, o presente é analógico

A empresa até vem investindo na transformação digital e buscando ser omnichannel, se aproveitando da tecnologia para melhorar o controle de estoques e a experiência de seus clientes com base na análise avançada de dados.

O problema é que tudo isso ainda é incipiente demais.

Apenas 2 por cento das vendas vem do canal online, atendidas exclusivamente pelo CD de Alphaville. Somente 10 lojas fazem parte do programa de envio direto da loja (ship from store).

Para que clientes possam comprar online e retirar na loja (click-and-collect) ou se beneficiarem de prateleiras infinitas (infinite aisle) ainda são necessários mais investimentos em tecnologia de radiofrequência (RFID).

Assim como a melhora da experiência de compra dentro do programa de relacionamento (C&A&VC) demanda investimentos em TI para se concretizar.

Ou seja, o futuro é digital, mas o presente ainda não é.

Para onde vai o dinheiro

A oferta será 60 por cento primária (dinheiro para o caixa da empresa) e 40 por cento secundária (dinheiro para os atuais acionistas da companhia). No preço médio da faixa indicativa de preços, o objetivo é levantar 1,5 bilhão de reais.

Porém, ao analisar a destinação dos recursos e a estrutura societária da C&A, descobrimos que não é bem assim. A companhia pretende quitar uma dívida de 813 milhões de reais que possui com a C&A Mode AG com os recursos do IPO.

Fonte: C&A.

Fonte: C&A.

Praticamente a totalidade dos recursos destinados à oferta primária vai para o pré-pagamento de empréstimos com uma empresa da própria holding.

É como se 94 por cento da oferta fosse secundária.

Sebastian: "Abuse e Use" dos IPOs.

Sem dinheiro, sem crescimento

Apesar do alívio com o IPO, a empresa demonstra pouco apetite por expansão.

Com oportunidade de crescimento tanto em shoppings (159 oportunidades mapeadas), quanto em ruas de alto fluxo, a C&A pretende abrir apenas 11 lojas em 2019 (4 já abertas no 1S19).

Fonte: Nord Research.

Somente 119 lojas (42 por cento) estão enquadradas no novo conceito "CVP" (melhor distribuição de produtos e atração de tráfego). Os planos da companhia são de incluir mais 35 lojas no modelo este ano.

Além de novas lojas e reformas, a empresa ainda precisa investir em logística,  tecnologia e em ferramentas que suportem o desenvolvimento das coleções.

Mas sem novo dinheiro entrando no caixa, de onde sairia o capital para a expansão?

Apenas mantendo o nível de crescimento atual, os altos preços do IPO não se justificam.

O Grande, Magnânimo, Excelentíssimo Preço

Preço é importantíssimo quando você compra roupas na C&A e, também quando você compra ações na bolsa.

C&A vem a mercado com um altíssimo e injustificável múltiplo EV/Ebitda de 11,4x e, sem dar lucro, não possui Preço/Lucro histórico (é negativo, logo ignoramos).

Fonte: Nord Research.

Ao colocar na mesa as peculiaridades de C&A, seu fraco apetite por expansão e números piores do que os de seus principais concorrentes, a conclusão é clara e cristalina: fique longe de C&A.

Olhando CEAB contra suas pares, a história de Sebastian fica ainda mais complicada.

A companhia tem um crédito fiscal enorme que impacta seu Ebitda (Outras Receitas Operacionais) e seus lucros (Resultado Financeiro):

Dados Operacionais dos últimos 12 meses, em milhões (exceto número de lojas). Fonte: C&A, Bloomberg e Nord Research.

A tabela é complexa, sim, mas C&A não nos permitiu facilidades. Como não temos informações suficientes para "Ajustar" os números, fizemos uma conta de padaria – apenas reduzimos o crédito fiscal do Ebitda e lucro.

Após nosso "Ajuste", LREN, mais cara, é o benchmark do setor. Marisa e C&A tem números bastante impactados pelos não-recorrentes fiscais.

E, sem não-recorrentes, C&A, no meio da faixa, quer negociar ao mesmo preço de GUAR – que possui margens maiores, maior crescimento e dívida bem menor.

GUAR teve um 2019 ruim, mas continua saudável e apresentando bons lucros. C&A ainda dá prejuízo.

No Investidor de Valor, estamos comprados na tese de recuperação econômica brasileira, mas sempre com empresas melhores e mais baratas do que C&A.

Use e Abuse das boas varejistas a bons preços, mas não caia nas armadilhas do bull market.

Cronograma da oferta

Se ainda assim, quiser participar da oferta (o que não recomendo), o período de reserva se inicia hoje (14 de outubro)  e vai até o dia 23 de outubro.

As ações começam a ser negociadas na bolsa no dia 28 de outubro.

Abraço,

Rafael Ragazi.

Em observância ao Artigo 22 da Instrução CVM nº 598/2018, a Nord Research esclarece que oferece produtos contendo recomendações de investimento pautadas por diferentes estratégias e/ou elaborados por diferentes Analistas. Dessa forma, é possível que um mesmo valor mobiliário encontre recomendações distintas em diferentes produtos por nós oferecidos. As indicações do presente Relatório de Análise, portanto, devem ser sempre consideradas no contexto da estratégia que o norteia.

Postado originalmente por: Nord Research