O que o super bowl e o pôquer podem ensinar?
Tempos de crise. Tempos de reflexão
Em tempos de quarentena, parece que nos tornamos um pouco mais reflexivos sobre diversos aspectos da vida.
Não sei o motivo ao certo. Talvez sejam as paredes brancas, ter a si mesmo como única companhia e algum tempo adicional.
Mas, independentemente de tudo isso, não estou aqui para fazer divagações em relação ao céu, à terra ou o mar.
Como sempre, quero falar de investimentos. Se você abriu alguma das nossas newsletters ao longo da semana, já deve ter percebido que somos otimistas com o longo prazo da bolsa.
Aliás, isso não mudou nem nenhum momento. Nem mesmo nos dias mais sombrios de março.
Porém, esse não é o tópico dessas poucas linhas que escrevo. Quero falar hoje sobre o nosso processo de decisão e como somos programados a pensar.
Adoro ler sobre essa interligação entre psicologia, comportamento humano e investimentos.
Acho que temos alguns insights importantes para esses momentos difíceis. Com toda essa crise que derrubou os mercados, tenho visto dois tipos de comentários:
- “Perdi menos que o gestor X, ele só pode feito um monte de escolhas c#[email protected] (censurado). Para que pagar taxa para isso?”
- “Gestor Y é gênio, mal caiu em março. Isso que é gestão!”
Agora, deixo o seguinte questionamento: será que simplesmente avaliar os resultados em um único evento é o suficiente para dizer algo sobre o processo de decisão e a estratégia?
Vamos ver o que um jogo de pôquer e futebol americano têm a dizer sobre isso.
Super bowl, 26s, 1 jarda e uma decisão
Você, leitor dessanewsletter de domingo, já deve estar cansado de saber que eu não sou exatamente um especialista em futebol americano.
Longe disso. Porém, devo confessar: há muito mais nesse esporte do que os olhos podem ver. É uma atividade muito interessante e que está cheia de processo de decisão. Logo, é um campo fértil para nossos estudos de hoje.
Vou recorrer a eles para mais um exemplo.
Entao, vamos lá.
Era o Super Bowl de 2015, com a batalha ocorrendo entre os times Seattle Seahawks versus o New England Patriots. Faltavam 26 segundos para definir o campeonato, com o time da costa leste a frente no placar por 28 a 24.
Seahawks de uniforme escuro na linha de uma jarda
Os Seahawks tinham a posse de bola na linha de uma jarda no campo dos Patriots e com duas jogadas a disposição.
Eles precisavam só de uma última chance para fazer o touchdown e vencer a partida. Em outras palavras, uma jogada definiria o futuro daqueles dois times.
Em momentos como este, o playbook seria tentar furar a defesa a força e assim marcar os 6 pontos. Entretanto, Pete Carroll, treinador do time de Seattle, decide fazer algo diferente.
Ele pede para o quarterback lançar a bola e buscar um companheiro na endzone. Para a tristeza dos fãs dos Seahawks, a jogada foi interceptada pelo Michael Butler dos Patriots.
Era fim de jogo. No dia seguinte, em todos os canais de comunicação possíveis, apareceram matérias com os títulos: worst call in super bowl history (pior jogada na história do super bowl).
O treinador foi crucificado em todas as maneiras imagináveis. Agora, olhando além do resultado, teria essa sido de fato uma decisão tão horrível de ser feita?
Annie Duke — PhD em Cognitive Science pela universidade da Pennsylvania, Estados Unidos, e com uma fantástica carreira no mundo do pôquer por 20 anos — pensa diferente.
A questão que ela avalia é: se a jogada tivesse dado certo, teria isso feito dele um gênio que superou o Bill Belichick (treinador lendário dos Patriots)?
O ponto central ao avaliar um processo decisório não pode derivar de olhar somente o resultado. A jogada poderia ter sido insana e, por sorte, ter funcionado. Do mesmo jeito que poderia ter sido uma estratégia brilhante e ter dado errado.
Ao julgar essa diferença, você precisa ir mais a fundo. É necessário entender se, olhando as probabilidades no momento da tomada de decisão, de fato aquela jogada fazia sentido ou não.
E, olhando historicamente, foi uma bela estratégia. A chance de uma interceptação naquele ponto do campo era algo como 1 ou 2 por cento, e ainda dava a ele uma jogada extra.
Ou seja, em termos gerais, ele poderia ganhar o jogo ou ter ainda suas chances preservadas para tentar a primeira opção.
Era um total free lunch e ele sabia disso. Como bem colocou em uma entrevista posterior ao jogo:“Its was the worst result of a call ever. If we catched, it would be a great one and no one would thought twice about it”. (Foi o pior resultado de uma estratégia. Se tivéssemos pegado, teria sido a melhor que existe e ninguém pensaria duas vezes sobre isso).
Então ele realmente entendeu o problema. Se fosse possível fazer um replay dessa jogada várias vezes, veríamos muito mais casos de sucesso do que fracasso acontecendo.
Agora: por que a maioria da mídia criticou a jogada?
O ponto é: as pessoas avaliam a tomada de decisão pelo resultado, não pelo processo que precedeu a ação. Ou seja, bons resultados precisam necessariamente de bons processos e vice-versa.
Isso em pôquer é chamado “resulting”, onde você baseia toda a construção e evolução do seu processo decisório com olhar somente nos resultados.
Nesse sentido, ao fazer isso, você está cometendo um grande erro. Ao seguir nesse caminho, acaba-se perpetuando estratégias erradas que deram certo por sorte e descartando movimentos brilhantes, simplesmente porque deram errado.
Em investimentos, frequentemente vemos os mesmos problemas e com consequências desastrosas…
Um pouco de pôquer e investimentos
Em termos de tomada de decisão, jogar pôquer e investir têm muitas similaridades. Em ambos os casos, você precisa tomar a decisão com um certo grau de incerteza.
Você nunca sabe todas as informações e, mesmo assim, é necessário tomar alguma ação. No caso do jogo, você sempre pode ter a melhor mão e ainda assim perder e vice-versa.
O que te transforma em um jogador de elite é a sua capacidade de melhorar o seu processo de decisão ao longo do tempo, evitando ao máximo o resulting.
Em investimentos, muito frequentemente caímos no mesmo erro. As pessoas, muitas vezes, confundem ganhar dinheiro com um processo de decisão bem estruturado.
Veja este exemplo:
Observe esses quatro resultados de estratégias. Imagine que, no ínicio de 2016, você decide a seguir a estratégia a azul — antes de mais nada, saiba que é um fundo fictício.
Para efeitos de comparação, adicionei quatro outros ótimos fundos brasileiros: Bogari, Brasil Capital, Atmos e Dynamo. Nesse período, você teria sido MUITO mais rentável que todos eles — quase 2x mais em 4 anos.
Tapetes vermelhos estariam à espera deles e a entrada ao Olimpo garantida.
Logo, olhando exclusivamente pelo resultado, talvez você fosse levado a crer que tomou uma bela decisão ao investir neste fundo.
Agora, seria mesmo isso? Ou seria somente um advento da sorte composta ao longo do tempo?
Vamos olhar a robustez ao longo do tempo, exatamente como propus com a jogada de Pete Carroll.
Tudo parece funcionar bem nesses quatro anos. Porém, em março deste ano, a bolsa caiu 50 por cento e eis o que acontece com o seu novo fundo preferido:
Foi a zero. Z-E-R-O!
Por quê?
Basicamente esse fundo era um fundo alavancado em Ibovespa, então quando a bolsa caiu vertiginosamente eles implodiram.
Não é o primeiro caso na história, nem será o último. Enquanto isso, o quarteto também sofreu, só que menos.
Dito isso, quem você diria que tem o melhor processo decisório para lidar com a incerteza do longo prazo?
Ou seja, tudo isso para dizer: cuidado ao avaliar estratégias e processo decisório somente baseado em resultados — principalmente se forem de curto prazo.
A longo prazo, isso pode lhe matar.
O Processo de decisão precisa ser bem feito
É preciso, sempre, aprender com os nossos erros e acertos, seja investindo diretamente ou em fundos.
Nesse momento é o que eu tenho feito com os meus e sugiro que você siga na mesma linha. Faça uma análise crítica do seu processo decisório, principalmente se você está perdendo menos que a bolsa ou até ganhou dinheiro no momento.
Em momentos como esse, cuidado para não se achar o gênio mais esperto do mercado. Ao mesmo tempo, não passe a acreditar que necessariamente gestores que caíram menos nessa crise simplesmente serão melhores que todos os outros a longo prazo.
Isso, no meu modo de ver, poderia ser precipitado. É preciso entender o processo decisório, entendo o que levou aquele fundo a cair mais ou menos que a bolsa — se algo foi feito ativamente para evitar, ou se por obra do acaso estavam um pouco menos alocados mesmo.
Ao escolher uma gestora, esse é um ponto importante para não levar gato por lebre e na próxima crise se frustrar.
Lembre-se do seguinte: o cenários podem mudar, mas são os processos de decisão bem feitos que fazem a diferença no longo prazo.
Isso vale para qualquer investidor no mercado. Guarde isso com você.
Um abraço e Feliz Páscoa!!
Postado originalmente por: Nord Research