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De Mito a Mico?

Por João Cenzi

Desde meados de 2017, analisando pesquisas de opinião eleitorais, comecei a afirmar que as eleições de 2018 seriam históricas e as mais importantes já ocorridas em nosso país.

Em finais daquele ano e início do ano eleitoral, foi possível constatar que o eleitorado iria despejar a sua indignação nas urnas e eleger políticos com perfil bastante diverso dos de até então. Nessa mesma época, em um post no Facebook, anotei que o próximo presidente eleito seria o mais cobrado da história.

Analisando bem a situação, não é difícil chegar a essa conclusão. O eleitorado deu mostras de amadurecimento político, o que certamente o conduz a ser mais crítico. Os eleitores que ungiram PSDB e PT ao Poder tinham um perfil bem mais flexível quanto à postura de seus preferidos, e muitos até hoje ainda são absolutamente dogmáticos. Já os de Bolsonaro depositaram nele suas últimas esperanças de viver em um país melhor.

Se Bolsonaro foi capaz de, com uma campanha sem recursos, em grande parte dela amargando hospital e reclusão domiciliar face ao atentado que sofreu, derrotar o mais popular líder brasileiro desde Getúlio Vargas, não seria visto como extravagância esperar que a população lhe destinasse incondicional apoio e uma frouxa vigilância.

Mas as circunstâncias são bastante diferentes. Dificilmente o capitão terá a complacência, quer da classe política, quer da população, mesmo durante a tradicional lua-de-mel dos cem primeiros dias de mandato.

Cada ato seu e de sua equipe será analisado com grossas lupas, como já demonstrado. A ele não será dada a possibilidade de atenuar eventuais escorregadelas apontando deslizes maiores de outros. Pouco importa se o volume de dinheiro suspeito que transitou na conta de um assessor de um deputado estadual do PT do Rio de Janeiro seja vinte ou trinta vezes maior do que aquele atribuído a Queiroz. O importante é que não existam pontas soltas nesse mandato!

Se Dilma, Lula ou FHC houvessem feito a campanha inteira pregando diminuição de impostos e, uma semana após a posse declarassem que iriam aumentar o IOF, apenas para ser desmentido por membros de seu próprio governo, a grande imprensa traria algumas linhas, talvez até com comentários jocosos, por uns dois ou três dias, e tudo haveria de ser superado considerando-se como um descuido. No caso de Bolsonaro, isso causou um verdadeiro terremoto, tanto na imprensa, quanto internamente ao Governo.

Durante os mandatos de Lula e Dilma, e também nos de FHC, apadrinhados, parentes e amigos eram nomeados para altos cargos no governo com a mais absoluta normalidade. Ter o filho do general Mourão alçado vários degraus na hierarquia do Banco do Brasil pelo seu presidente já deu margem à constatação de que, ao invés de uma administração transparente, Bolsonaro estaria implantando a administração traz-parente.

E Bolsonaro, mesmo sendo muito mais exigido que seus antecessores, sequer poderá reclamar desses fatos. Não é perseguição ou intriga da oposição, sequer é um movimento coordenado dos velhos políticos e da imprensa esquerdista para minar suas forças, mas sim a nova postura exigida pelos milhões de eleitores que o colocaram na cadeira presidencial exatamente para fazer tudo diferente.

À mulher de César não basta ser honesta, é preciso que ela também pareça honesta! Não basta Bolsonaro ser honesto e evitar o toma-lá-dá-cá no Congresso, é preciso que ele e seu time venham a dar seguidos exemplos.

Essa é a perigosa e sombria trilha que a administração Bolsonaro haverá de abrir em plena floresta de insuspeitas ameaças a cada passo, caso pretenda realmente viabilizar pelo menos a metade das mudanças e reformas propostas e se firmar como um presidente destacado pela eficiência. A trilha será estreita e não haverá muita margem para  arroubos ou descuidos. E esse caminhar seguro, firme e constante é o que se espera de um mito!

Capitão, cuidado! Além das cascas de banana que tradicionalmente são jogadas no caminho de qualquer presidente, sua caminhada será acompanhada pelo GPS da população em tempo real. Tentar padronizar a cor da vestimenta de acordo com o sexo, seus inimigos certamente exploram, e a população até engole como uma metáfora. Ver Jesus na goiabeira já começa a sair do script, mas contestar a Teoria da Evolução em pleno século XXI, principalmente fazendo parte de uma administração que pretende se mostrar moderna, transformadora, afeita à tecnologia, redentora da sucateada e ideologizada Educação, já é abusar do estoque de credibilidade.

Mais duas ou três dessas, capitão, seja de quem quer que seja no seu governo, e sua biografia poderá conter uma grande guinada de mito a mico!

João Batista Cenzi
João Batista Cenzi é engenheiro mecânico, administrador de empresas e, atualmente, diretor da Instituto Pesquisas de Opinião Censuk. É comentarista constantemente convidado nas programações da TV Candidés e da Minas FM.