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Blog do Leo Lasmar – Flamengo voltou ao normal na Libertadores?

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Por Leonardo Miranda – GE

Analisando apenas o jogo, a eliminação do Flamengo para o Racing na Libertadores foi o resultado de muitas chances perdidas, falhas defensivas coletivas (como o gol levado na Argentina) e duas falhas individuais, uma com bola rolando e outra nos pênaltis. A equipe não jogou mal a ponto de ser derrotada. Coloca na balança e você verá pontos positivos, como a forma como Ceni reoxigenou o setor de construção, e pontos negativos, como a defesa.

Analisando o todo, a eliminação reflete aquilo que foi alertado, explicado e mostrado: o Flamengo não sabe como ganhou dois títulos em 2019. Não entendeu o que aconteceu entre junho de 2019 e julho de 2020. E por isso não sabe por que está perdendo em 2020.

Tudo começa no processo. Diz o dicionário que processo “é um conjunto sequencial e particular de ações com objetivo comum”. Simples: o volante leva a bola ao meia, que cria para o atacante finalizar. Essa sequência já é um processo. Então existem os jogos e os treinos, que são exercícios de repetição; a ideia do treinador, o preparo físico e o preparo mental para que todo mundo esteja “na mesma página”, ou “alinhado”, como dizem nas reuniões no trabalho do escritório. Processo é início, meio e fim. Processo é respeito e correção aos erros para que eles virem acertos. Processo é tempo.

O Flamengo não vê futebol como processo. Nunca viu, na verdade. A gestão Bandeira de Mello organizou o clube financeiramente, mas não eliminou vícios que permaneciam no departamento de futebol desde a década de 1960. Nada mudou com Landim, que se elegeu com base na falta de títulos da era Bandeira. O planejamento” do Flamengo em 2019 era contratar um técnico experiente, um jogador líder como Felipe Melo ou Dedé e fazer rodízio porque tinha dado certo com Felipão no Palmeiras.

 
O problema não é o Flamengo. É o olhar sobre o futebol que está errado e é muito focado em pessoas e não nos processos.
 
As conquistas de 2019 não foram fruto de uma ação individual de “ser iluminado, um salvador da pátria” como Jorge Jesus foi tão incensado. Foi fruto de um trabalho que tinha uma comissão, cada um com seu papel, que tinha um tempo para acontecer, tinha começo, meio e fim….isso mesmo, é o tal do processo. Jorge Jesus está fazendo a mesmíssima coisa no Benfica agora. O que muda é apenas o resultado.

Esse olhar tão ultrapassado, frente a uma sociedade que multiplica informações e está em constante mudança, fez com que o Fla escolhesse a trajetória do dinheiro ao invés da organização. Pressão para voltar aos jogos, planejamento falho, contratações caras. Não houve uma preocupação em criar uma metodologia e uma cultura de jogo a partir do trabalho de Jesus. Em formar jogadores da base com esse DNA. Nada foi documentado. Nada foi colocado num processo. “Basta chamar outro que faz igual”, pensamos após a saída repentina do português. Marco Silva ou Carlos Carvalhal?

Tanto faz o técnico. Se existe processo, a qualidade individual não importa tanto assim. A razão de existir do processo é que ele não dependa de pessoas. Processo é organização e método. Ele vem antes da opinião, antes da pessoa. É o mesmo para todo mundo.

A falta de organização e o amadorismo inaceitável que uma instituição com 30 milhões de torcedores não deveria ter ficou evidente quando Domènec Torrent chegou. Por ter uma ótica errada sob futebol, a diretoria achou que Torrent faria a mesma coisa que Jesus. Então não se preocupou em entender sua metodologia, sua ideia e o tempo que ele acredita que precisava. Um catalão, no meio de uma pandemia, num time em reconstrução. É óbvio que os problemas iriam aparecer, com nome e sobrenome: a defesa que foi tão vazada como a do New York City.

Aí aparece outro sintoma da falência crônica do futebol brasileiro: a crise de expectativa. Como o olhar é atrasado e só se enxergam méritos e erros individuais, e não processo, alimenta-se a ideia de que há “um problema”. Veja bem – se futebol é processo, o problema nunca será individual. Mas essa forma tão míope de entender o jogo faz com que o torcedor mire sempre em alguém – normalmente o treinador – e alimente a esperança de que, tirando ele, tudo dará certo.

Dito e feito. Domènec demitido, como todo mundo pediu, e “o melhor técnico brasileiro do momento” no Flamengo. De novo, o mesmo engano: falta de processo e de conhecimento, que leva a falsas expectativas, que leva a erros e culpas que são coletivas. E aí qual é a solução? Repetir o mesmo ciclo: demite o técnico, tira o jogador…e tudo se repete.

Esses problemas existiram sempre. Existiam na final da Libertadores em Lima, nos 3 a 1 no Palmeiras no Allianz e no 4 a 1 no Corinthians no Maracanã. Então por que ninguém falava deles? Simples: porque o time ganhava.

Tudo no Brasil se resume a resultado. É muito normal dizer que um técnico faz um bom trabalho se o time ganha. Faz mesmo? E se o trabalho de Marcelo Oliveira no Palmeiras em 2015 tiver sido péssimo, mesmo com um título? E se Tiago Nunes fez um bom trabalho mesmo sem resultados? E se os técnicos tivessem tempo? E se os elencos fossem melhor formados? E se a CBF promovesse formação? A confusão eterna entre processo e indivíduo.

E aí entra o torcedor. Apenas uma vítima desse ciclo. O flamenguista é, sobretudo, um ingênuo que ama seu time. Então é normal ele comprar narrativas que engrandeçam o Flamengo e ataque quem aponte erros. Acredita em fan service travestido de análise e caia nas narrativas como “O River não foi tão melhor assim na final da Libertadores”, “o time jogou de igual pra igual com o Liverpool”, “o jornalista que fala mal quer tumultuar o ambiente” e “Jorge Jesus e o Flamengo revolucionou o futebol brasileiro”. Nada disso aconteceu. E nada mudou.

Financeiramente, o Flamengo começará a ter problemas para fechar as contas no azul, o que pode render dívidas num longo prazo. O elenco é qualificado, o técnico é renomado e o time disputa o Campeonato Brasileiro. Uma eliminação para o Racing é doída, mas num ano de pandemia global e com tanto “azar” como a lesão de Thiago Maia, pode ganhar um novo olhar. Só que o problema não está em campo. O Flamengo precisa se organizar fora dele e ter o processo que você tanto leu aqui. Profissionalizar a gestão do futebol como profissionalizou o clube.

Vale para outros clubes. O Palmeiras pode fundar uma nova academia com Abel Ferreira e viver menos de medalhões como é desde 2015. O São Paulo tem a chance de construir um legado com Diniz e formar novos jogadores, mesmo que não ganhe nada. O Grêmio pode encerrar o ciclo de Renato Portaluppi aproveitando o legado do “melhor futebol do Brasil” e continuar disputando tudo e jogando bem.

Enquanto isso não for feito, continuaremos a morder as costas: culpa do técnico, muda o zagueiro, troca o time. Já percebeu que essas soluções são sempre apontadas e nunca dão o efeito desejado? Simples: é impossível colher resultados diferentes fazendo a mesma coisa.

Do mesmo modo que é preciso entender o porquê um time perdeu ao invés de caçar as bruxas para entender o porquê um time ganha e manter aquilo para os próximos anos.

Tem horas que o óbvio é o mais difícil de ser visto.

Imagem de Pete Linforth por Pixabay