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A Lei Seca americana e nossa grande oportunidade

Em 1920, os EUA fizeram a 18ª emenda à sua Constituição aprovando a Lei Seca, que perdurou por pouco mais de 13 anos. Foi uma das 27 emendas numa constituição de 230 anos de idade.
 
A pressão para a aprovação da 18ª já era centenária, pois a violência, principalmente contra a mulher em decorrência das bebedeiras, atingia caráter epidêmico. Os radicais puritanos e religiosos convenceram-se de que o banimento do álcool no país seria a única solução, mas, na prática o que aconteceu foi exatamente o contrário.
 
Em pouco tempo de vigência da Lei Seca quase todas as instituições e autoridades do país, em níveis municipal, estadual e federal, foram cooptadas e corrompidas pelos produtores e importadores clandestinos de bebidas. As cortes de Justiça ficaram absolutamente sobrecarregadas por julgamentos de infratores da lei, porém na esmagadora maioria casos isolados de bêbados flagrados com bebida nas mãos, enquanto os corruptores e corrompidos aumentavam seus ganhos com tranquila impunidade.
 
Para evitar o completo colapso da Justiça e do sistema prisional, os juízes passaram a reinterpretar a lei, abreviando os julgamentos de casos simples, convertendo as penas previstas em alternativas como multa e admoestações aos infratores. Foi o início da ruína do sistema legal americano, pois a esmagadora maioria da população se transformou em transgressores da lei. A incredibilidade generalizada da Lei Seca conduziu a outras transgressões, cada vez mais sérias.
 
Resumindo, nos anos iniciais da década de 30, ainda sob a vigência da Lei Seca, os EUA consumiam mais álcool do que antes de sua promulgação. Em várias grandes cidades do país gangues cada vez mais violentas se digladiavam pelo controle do fornecimento ilegal de bebidas, e o número de assassinatos no país passou a bater sucessivos recordes. Com o estabelecimento das máfias do contrabando de bebidas, o crime organizou-se e passou a atuar também em outras áreas, inclusive drogas, expandindo seus tentáculos a vários escalões dos governos.
 
É um exemplo dramático, mas faz acender uma luz de alerta sobre a atual situação de nosso país. Nos dois primeiros anos da Operação Lava Jato, a população escandalizava-se com os desvios desnudados, mas sentia-se protegida quando a Justiça recolhia às grades grandes empresários, doleiros, dirigentes de partidos políticos e políticos sem mandato. O Executivo e o Legislativo exalavam o forte odor de sua putrefação, acumulando índices quase negativos de credibilidade, mas a Justiça ainda era vista como o último bastião da defesa social e da Democracia, e a esperança de que o país poderia purgar seus males e, ao final desse processo, seguir por um caminho mais salutar, tendo assim mais possibilidades de real desenvolvimento.
 
Bastou que as investigações começassem a chegar nos políticos com mandato, no entanto, para que o Judiciário passasse a também solapar as esperanças do sofrido povo. As idas e vindas das decisões, principalmente das Altas Cortes, aos poucos foram mostrando que o último bastião democrático em que nos agarrávamos para tentar obter, lá na frente, um país que nos orgulhasse, está também contaminado.
 
Felizmente, no entanto, nossa sociedade acordou e não fez apenas barulho em casa com panelas e nas ruas, mas efetivou sua indignação nas urnas provocando uma renovação de inusitados quase 50% no Congresso e elegendo para presidente o candidato que se mostrou mais disposto a peitar o establishment.
 
Eis aqui então, no momento atual de nossa realidade, o ponto que pode marcar a inflexão da curva.
 
Nos EUA, a Lei Seca em pouco mais de uma década desaguou na insegurança jurídica, mas a população se deu conta do erro e a derrubou, conduzindo a um expurgo das bandas podres e à retomada do império da Lei. Com isso, também pouco mais de uma década depois, a nação norte-americana já havia se transformado na potência dominante que é até hoje.
 
Aqui, o ano de 2019 pode ser um marco histórico no desenvolvimento do Brasil se nossa sociedade continuar firmemente trilhando o caminho que desbravou de combate inclemente à corrupção e ao crime organizado. O novo governo, assim como a parte do Parlamento que se renovou, demonstram disposição nesse sentido, porém, assim como ocorreu nas urnas, a maioria da população precisa continuar pressionando para que as mudanças sejam realmente efetivas e não apenas um soluço moralizante.
 
Um país somente se desenvolve se a sua sociedade se desenvolver. Não existem messias que provocam milagres. Na Democracia o agente de mudanças profundas é o povo!